sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Considerações finais


"É característico da democracia que a regra majoritária seja entendida como eficaz, não só política, mas em idéias. Em idéias, é claro, a maioria está sempre errada. (...) A função da maioria, no que diz respeito às coisas do espírito, é tentar ouvir e abrir-se para alguém que tenha tido uma experiência para além de nutrição, proteção, procriação e riqueza." - Joseph Campbell

É com grande alegria que chego ao fim da minha narração neste blog, da narração dessa peregrinação pelo sertão da Bahia, pelo altar do sertão baiano, e pelo sertão de Canudos.

A compilação de postagens eu sei ser enorme, mas não tinha alternativa.

Precisava inserir elementos históricos que levassem ao leitor a capacidade de ter algum conhecimento dos acontecimentos. Procurei, dentro do possível, resumir os fatos históricos, pois o detalhamento da ação pode-se ter magistralmente descrito em outras obras, que citarei no mateiral de estudo recomendado em post futuro, sobretudo na obra euclidiana. E também, dentro do possível, procurei inserir textos históricos, redigidos por participantes do conflito e por membros da sociedade da época que de alguma forma tiveram contato com os acontecimentos.

Tal coletânea visa inserir a confusão e a desordem no pensamento do leitor. Visa semear a dúvida. Para que cada um possa dar margem a suas próprias conclusões, pelos seus valores, pelo seu prisma pessoal, se é que isso é possível.

Porque jamais saberemos quem foi o Conselheiro. Porque não vivemos na época. Porque não somos nós, a maioria dos brasileiros, sertanejos. Porque nem todos os sertanejos têm o sertão no coração. Porque alguns de nós procuramos o sertão tateando no escuro.

"O sertão é confusão em grande demasiado sossego..." - Seu Ornelas - Grande sertão: veredas - JGR

Entretanto, os textos aqui compilados podem, sim, nos dar algumas idéias a respeito dos pensamentos dos contemporâneos do conflito.

Do lado de lá das trincheiras, do lado conselheirista, há poucos documentos. O manuscrito do Conselheiro pode nos dar algumas pistas a respeito do seu pensamento. E a força que esse líder exercia sobre o povo também - nas palavras de Machado de Assis, em crônica à Gazeta de Notícias de 31 de janeiro de 1897: "Protesto contra a perseguição que se está fazendo contra António Conselheiro (...) De António Conselheiro ignoramos (...) Não se lhe conhecem os discursos. Diz-se que tem consigo milhares de fanáticos (...) Se na última batalha é certo haverem morrido novecentos deles e o resto não desapega de tal apóstolo, é que algum vínculo moral e fortíssimo os prende até a morte. Que vínculo é esse?"

Que pregasse contra a república, é um direito seu dentro da noção de democracia. Agora, que conspirasse contra a república, ou que constituísse elemento desestabilizador da mesma, ou que fosse fantoche de monarquistas restauradores, isso não era. Nem existe uma citação sequer de sebastianismo, de que era acusado, nas suas prédicas.

Consta que Rui Barbosa arrependeu-se de não haver impetrado habeas-corpus em favor dos canudenses. César Gama afirma "contra eles (habitantes de Canudos) não se havia instaurado processo algum. Nos cartórios do Estado nenhum deles tinha o seu nome no rol dos culpados. (...) O governo da União não se deu ao direito de inquerir coisa alguma, esquecendo até o que devia à humanidade e às luzes do século. Monstruoso atentado que a posteridade registrará como o mais negro borrão da nossa história".

Conflito que foi o maior na história do Brasil, depois da Guerra do Paraguai.

As raízes do conflito ficam, portanto, às condições assim chamadas infra-estruturais que a prof. Consuelo Sampaio comentou. À questões sociais, políticas e econômicas - que dizem respeito às bases da sociedade. Não há que se prolongar sobre isso agora. Reflita o leitor.

Reflita sobre quem foi o Conselheiro. Sobre o destino reservado a Belo Monte. Sobre o que podemos transpor, daquele momento histórico, aos nossos dias, à nossa realidade social. Sobre a importância de se preservar a memória de Belo Monte.

O próprio Euclides da Cunha não sabia o que iria encontrar. Ao ler sua obra, percebe-se o conflito vivenciado pelo correspondente de guerra-autor da assim alcunhada por ele como Obra Vingadora, conflito interno de quem se viu forçado a mudar os seus pontos de vista em função do que presenciava.

Assim, apesar do caráter fundamental da Obra Vingadora, natural que fruto de um ponto de vista euclidiano, mas que de tamanho peso e magnitude, que chegou a sufocar outros pontos de vista. Dando margem à denominação desta obra também como Gaiola de Ouro pelo professor José Calasans, maior acadêmico dedicado ao estudo de Canudos.

A amplitude dessa guerra sertaneja é inexpugnável. Minha peregrinação só fez aumentar a minha confusão. Aprendi muito na viagem, mas hoje tenho menos certezas do que tinha. Sei menos do que sabia.

E retomo à temática glauberiana em Deus e o Diabo na Terra do Sol: o crucial não é o aspecto divino ou diabólico das entidades, do Conselheiro e dos conselheiristas, mas sim, a luta do homem pela sua liberdade em meio a tão terríveis forças do meio. Porque mais fortes são os poderes do povo, como quase foram as últimas palavras do cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto - o Corisco. E o Conselheiro, foi o catalisador dessa força.

"(...) Obriga-se o zumbi a comer sem sal: o sal, perigoso, poderia despertá-lo. O sistema encontra seu paradigma na imutável sociedade das formigas. Por isso se dá mal com a história dos homens, pela frequência com que muda. E porque na história dos homens cada ato de destruição encontra sua resposta, cedo ou tarde, num ato de criação." - Eduardo Galeano - As veias abertas da América Latina - Calella, Barcelona, abril de 1978
 
Recomendo que vá o senhor também por esses longes, em busca desse sertão, que muito tem a revelar por entre as suas penumbras.

"Sertão: estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa, ainda encontra." - jagunço Riobaldo. Grande Sertão: Veredas. JGR

Prezados garupas, muito obrigado pela companhia. Espero que o piloto lhes tenha sido leve. Até um reencontro, por esses caminhos sem fim. Até lá, até lá. Até lá!

Um comentário:

  1. Grande Marcos Antonio Catania Conselheiro! Meu especial amigo.

    Com meu tempo meio atabalhoado, só hoje consegui visitar o seu Blog e ler essa majestosa peregrinação ao sertão baiano. Quero cumprimentá-lo pela "sacada" de um roteiro inédito para o motoviajero, pela coragem de conduzir a Hayabruta por essas paragens que ainda habita tanto sofrimento pelo descaso de políticas públicas e privadas... pela bela aula de história, pelas lindas fotos, pelo seu renascimento após a comunhão com o mergulho nas águas do lago Cocorobó, por vencer seus medos e peregrinar com louvor por caminhos e trilhas reservadas a sertanejos com sangue nos olhos. Como vc, só sei que preciso aprender mais, muito mais... Receba meu fraterno motoabraço de admiração e amizade.

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