sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sugestões de livros, artigos, imagens

Os Sertões - Euclides da Cunha

Cartografia de Canudos - José Calasans

Canudos - Cartas para o Barão - Consuelo Novais Sampaio

A guerra do fim do mundo - Mario Vargas Llossa

O peregrino e o arraial resistente - Breves notícias de Conselheiro e Canudos - Prof. Roberto Dantas

A teologia de Antônio Conselheiro -  Prof. Vicente Dobroruka - www.pej-unb.org/downloads/art_teologia_ac.pdf

António Conselheiro e Canudos - Ataliba Nogueira [obra que contém a transcrição integral do manuscrito de Antônio Conselheiro]

Expedições Militares contra Canudos - Seu aspecto marcial - General Tristão de Alencar Araripe

Sobreviventes - Filhos da Guerra de Canudos - Documentário em DVD de Paulo Fontenelle

www.portfolium.com.br - site sobre Canudos do fotógrafo e pesquisador Antônio Olavo

Cocorobó - documentário de Cyro Saadeh e Mariana Di Lello - https://www.youtube.com/watch?v=6-i42OGLVg4

Os Sermões do Conselheiro - documentário da TV Senado - http://www.youtube.com/watch?v=EI1EoUKiZb8&feature=relmfu

Deus e o diabo na terra do Sol - Glauber rocha - http://www.youtube.com/watch?v=AJpPdF0ipQA

Agradecimentos

A riqueza dessa expedição teria sido seriamente comprometida se não fosse a bondade dos sertanejos que encontrei, e que gentilmente me conduziram pelos caminhos.

Em especial ao Prof. Roberto Dantas, da Universidade Estadual da Bahia, acadêmico Canudófilo de renomado saber, e gente boníssima, que muito me ajudou com suas orientações. Sem sua atenção, teria sido impossível a abertuda de diversos caminhos.

Um desses caminhos me levou ao Seu Dedega e à sua família, que me acolheram, esse desconhecido, como amigo de longa data em Monte Santo.

Como poderei eu agradecer a pessoas tão generosas que, graciosamente, dedicaram-se a este MOTOperegrino?

Espero que se esses amigos, porventura, lerem esse diário um dia, perdoem os eventuais equívocos. Como eu disse, sei muito pouco, e por muito posso ter errado. Mas sei que poderei contar com a compreensão dos amigos.

Fraterno MOTOabraço a todos os sertanejos que contribuiram com a expedição. Desejo, do fundo do  meu coração, reencontrá-los em breve.

[apesar de muito ter conversado por e-mail e por telefone com o Prof. Roberto Dantas, aguardo o venturoso momento de conhecê-lo pessoalmente]

Considerações finais


"É característico da democracia que a regra majoritária seja entendida como eficaz, não só política, mas em idéias. Em idéias, é claro, a maioria está sempre errada. (...) A função da maioria, no que diz respeito às coisas do espírito, é tentar ouvir e abrir-se para alguém que tenha tido uma experiência para além de nutrição, proteção, procriação e riqueza." - Joseph Campbell

É com grande alegria que chego ao fim da minha narração neste blog, da narração dessa peregrinação pelo sertão da Bahia, pelo altar do sertão baiano, e pelo sertão de Canudos.

A compilação de postagens eu sei ser enorme, mas não tinha alternativa.

Precisava inserir elementos históricos que levassem ao leitor a capacidade de ter algum conhecimento dos acontecimentos. Procurei, dentro do possível, resumir os fatos históricos, pois o detalhamento da ação pode-se ter magistralmente descrito em outras obras, que citarei no mateiral de estudo recomendado em post futuro, sobretudo na obra euclidiana. E também, dentro do possível, procurei inserir textos históricos, redigidos por participantes do conflito e por membros da sociedade da época que de alguma forma tiveram contato com os acontecimentos.

Tal coletânea visa inserir a confusão e a desordem no pensamento do leitor. Visa semear a dúvida. Para que cada um possa dar margem a suas próprias conclusões, pelos seus valores, pelo seu prisma pessoal, se é que isso é possível.

Porque jamais saberemos quem foi o Conselheiro. Porque não vivemos na época. Porque não somos nós, a maioria dos brasileiros, sertanejos. Porque nem todos os sertanejos têm o sertão no coração. Porque alguns de nós procuramos o sertão tateando no escuro.

"O sertão é confusão em grande demasiado sossego..." - Seu Ornelas - Grande sertão: veredas - JGR

Entretanto, os textos aqui compilados podem, sim, nos dar algumas idéias a respeito dos pensamentos dos contemporâneos do conflito.

Do lado de lá das trincheiras, do lado conselheirista, há poucos documentos. O manuscrito do Conselheiro pode nos dar algumas pistas a respeito do seu pensamento. E a força que esse líder exercia sobre o povo também - nas palavras de Machado de Assis, em crônica à Gazeta de Notícias de 31 de janeiro de 1897: "Protesto contra a perseguição que se está fazendo contra António Conselheiro (...) De António Conselheiro ignoramos (...) Não se lhe conhecem os discursos. Diz-se que tem consigo milhares de fanáticos (...) Se na última batalha é certo haverem morrido novecentos deles e o resto não desapega de tal apóstolo, é que algum vínculo moral e fortíssimo os prende até a morte. Que vínculo é esse?"

Que pregasse contra a república, é um direito seu dentro da noção de democracia. Agora, que conspirasse contra a república, ou que constituísse elemento desestabilizador da mesma, ou que fosse fantoche de monarquistas restauradores, isso não era. Nem existe uma citação sequer de sebastianismo, de que era acusado, nas suas prédicas.

Consta que Rui Barbosa arrependeu-se de não haver impetrado habeas-corpus em favor dos canudenses. César Gama afirma "contra eles (habitantes de Canudos) não se havia instaurado processo algum. Nos cartórios do Estado nenhum deles tinha o seu nome no rol dos culpados. (...) O governo da União não se deu ao direito de inquerir coisa alguma, esquecendo até o que devia à humanidade e às luzes do século. Monstruoso atentado que a posteridade registrará como o mais negro borrão da nossa história".

Conflito que foi o maior na história do Brasil, depois da Guerra do Paraguai.

As raízes do conflito ficam, portanto, às condições assim chamadas infra-estruturais que a prof. Consuelo Sampaio comentou. À questões sociais, políticas e econômicas - que dizem respeito às bases da sociedade. Não há que se prolongar sobre isso agora. Reflita o leitor.

Reflita sobre quem foi o Conselheiro. Sobre o destino reservado a Belo Monte. Sobre o que podemos transpor, daquele momento histórico, aos nossos dias, à nossa realidade social. Sobre a importância de se preservar a memória de Belo Monte.

O próprio Euclides da Cunha não sabia o que iria encontrar. Ao ler sua obra, percebe-se o conflito vivenciado pelo correspondente de guerra-autor da assim alcunhada por ele como Obra Vingadora, conflito interno de quem se viu forçado a mudar os seus pontos de vista em função do que presenciava.

Assim, apesar do caráter fundamental da Obra Vingadora, natural que fruto de um ponto de vista euclidiano, mas que de tamanho peso e magnitude, que chegou a sufocar outros pontos de vista. Dando margem à denominação desta obra também como Gaiola de Ouro pelo professor José Calasans, maior acadêmico dedicado ao estudo de Canudos.

A amplitude dessa guerra sertaneja é inexpugnável. Minha peregrinação só fez aumentar a minha confusão. Aprendi muito na viagem, mas hoje tenho menos certezas do que tinha. Sei menos do que sabia.

E retomo à temática glauberiana em Deus e o Diabo na Terra do Sol: o crucial não é o aspecto divino ou diabólico das entidades, do Conselheiro e dos conselheiristas, mas sim, a luta do homem pela sua liberdade em meio a tão terríveis forças do meio. Porque mais fortes são os poderes do povo, como quase foram as últimas palavras do cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto - o Corisco. E o Conselheiro, foi o catalisador dessa força.

"(...) Obriga-se o zumbi a comer sem sal: o sal, perigoso, poderia despertá-lo. O sistema encontra seu paradigma na imutável sociedade das formigas. Por isso se dá mal com a história dos homens, pela frequência com que muda. E porque na história dos homens cada ato de destruição encontra sua resposta, cedo ou tarde, num ato de criação." - Eduardo Galeano - As veias abertas da América Latina - Calella, Barcelona, abril de 1978
 
Recomendo que vá o senhor também por esses longes, em busca desse sertão, que muito tem a revelar por entre as suas penumbras.

"Sertão: estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa, ainda encontra." - jagunço Riobaldo. Grande Sertão: Veredas. JGR

Prezados garupas, muito obrigado pela companhia. Espero que o piloto lhes tenha sido leve. Até um reencontro, por esses caminhos sem fim. Até lá, até lá. Até lá!

A despedida do Conselheiro

ANTÓNIO VICENTE MENDES MACIEL

PRÉDICAS

aos canudenses
e
um discurso sobre a república


Belo Monte
província da Bahia
12 de janeiro de 1897

 No dia 5 de outubro de 1897, em que as tropas legais sob o comando do general Artur Oscar de Andrade Guimarães assenhorearam-se vitoriosa e decisivamente do arraial de Canudos, dando busca no lugar denominado Santuário em que morou o célebre António Conselheiro, foi este livro encontrado, em uma velha caixa de madeira, por mim, que me achava como médico em comissão do governo estadual e que fiz parte da junta de peritos que no dia 6 exumou e reconheceu a identidade do cadáver do grande fanático.

Submetido ao testemunho de muitos conselheiristas, este livro foi reconhecido ser o mesmo que, em vida, acompanhava nos últimos dias a António Maciel - Conselheiro -

Bahia, março de 1898

João Pondé


[à pág. 624 do manuscrito segue-se:]

Praza aos céus que abundantes frutos produzam os conselhos que tendes ouvido; que ventura para vós se assim o praticardes; podeis entretanto estar certos de que a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa luz e força, permanecerá em vosso espírito: Ele vos defenderá das misérias desse mundo; um dia alcançareis o prêmio que o senhor tem preparado (se converterdes sinceramente para Ele) que é a glória eterna. Como não ficarei completamente satisfeito sabendo da vossa conversão, por mim tão ardentemente desejada. Outra cousa, porém, não é de esperar de vós à vista do fervor e animação com que tendes concorrido para ouvirdes a palavra de Deus, o que é uma prova que atesta o vosso zelo religioso. Antes de fazer-vos a minha despedida, peço-vos perdão se nos conselhos vos tenho ofendido. Conquanto em algumas ocasiões proferisse palavras excessivamente rígidas, combatendo a maldita república, repreendo os vícios e movendo o coração ao santo temor de Deus, todavia não concebam que eu nutrisse o mínimo desejo de macular a vossa reputação. Sim, o desejo que tenho de vossa salvação (que fala mais alto do que tudo quanto eu pudesse aqui deduzir) me forçou a proceder daquela maneira. Se porém se acham ressentimentos de mim, peço-vos que me perdoeis pelo amor de Deus. É chegado o momento para me despedir de vós; que pena, que sentimento tão vivo ocasiona esta despedida em minha alma, à vista do modo benévolo, generoso e caridoso com que me tendes tratado, penhorando-me assim bastantemente! São estes os testemunhos que me fazem compreender quanto domina em vossos corações tão belo sentimento! Adeus povo, adeus aves, adeus árvores, adeus campos, aceitai a minha despedida, que bem demonstra as gratas recordações que levo de vós, que jamais se apagarão da lembrança deste peregrino, que aspira ansiosamente a vossa salvação e o bem da Igreja. Praza aos céus que tão ardente desejo seja correspondido com aquela conversão sincera que tanto deve cativar o vosso afeto. 

[não discorrerei sobre detalhes, mas os estudiosos e historiadores atestam a autenticidade desse manuscrito encontrado em Canudos como de autoria do Conselheiro]

O retorno

[margens da BR-116 ao norte de Feira de Santana]

"O grande movimento é a volta." - Nada e a nossa condição - Primeiras estórias - João Guimarães Rosa

Bem, chegou o momento de voltar. Sem muitas delongas, voltei pelo mesmo caminho até Governador Valadares e, de lá, ao invés de seguir pela BR-116, segui pela BR-381, direção Belo Horizonte, para daí seguir pela Fernão Dias até São Paulo.

Foram quase 2200 Km, a volta, por esse roteiro, percorrido em 3 dias. Final do primeiro dia parei em Vitória da Conquista. Final do segundo dia parei em João Monlevade. Final do terceiro dia estava em casa. Três dias de setecentos e poucos quilômetros cada um.

O comentário importante do trajeto vai para o trecho entre Governador Valadares e Belo Horizonte, a BR-381, alcunhada pelos mineiros como Rodovia da Morte. Muitas curvas, muitos caminhões, asfalto irregular em vários pontos, sobe-e-desce com curvas o tempo todo. Trecho tecnicamente difícil, perigoso. Cheguei à conclusão que esse caminho não valeu a pena, melhor fazer pelo roteiro que fiz na ida, tudo pela BR-116.

Nas proximidades de Nova Era, antes de chegar a João Monlevade, uma confusão danada: um acidente com carga perigosa (ácido sulfúrico) interrompera completamente o tráfego desde aí até João Monlevade. Peguei um desvio por estradas vicinais passando por São Domingos do Prata: fim de tarde, paisagens bucólicas, muito bonito. Valeu pela confusão... quanta coisa boa pelas quais não esperamos na vida. Não há o que reclamar.

Rodei 5 mil Km em 10 dias. Deu para me sentir um peregrino. Abaixo duas imagens que ilustram a magnitude do deslocamento:


O sertão vai virar mar

Canudos foi destruído duas vezes. A primeira, pelo fogo das forças legais em operação no sertão baiano. A segunda, pelas águas...

Leia abaixo excerto do estudo chamado A construção do medo da Prof. Consuelo Novais Sampaio, a respeito da Guerra de Canudos:

Cinco décadas depois [do conflito], resolveu-se construir o açude de Cocorobó, inundando de água o "solo sagrado". Em julho de 1954, o Diário de Notícias anunciou que "o progresso chegou à vilazinha de Canudos, de maneira inesperada, arrasando com todas as tradições e com todas as glórias". O repórter encontrou uma sobrevivente, Francisca Guilhermina Santos, que na época da guerra estava com quinze anos. Perguntou-lhe o que achava da transformação da vila em açude. Em resposta, a velha pegou um punhado de terra e, devagarzinho, deixando que ela escorresse por entre os dedos, falou: "Parece incrível que toda esta terra seja coberta pelas águas; elas foram testemunhas da bravura dos nossos pais, e guarda com carinho o sangue de muitos parentes e amigos nossos. Mas que há de se fazer?".

Quatro anos após, o jornalista Paulo Dantas visitou as obras da barragem em construção e comentou com o engenheiro (cearense, como Antônio Conselheiro) a oposição que estava havendo à construção do açude naquele local, considerado histórico. O engenheiro respondeu, registrando-se o seguinte diálogo:

"- Isto é conversa de poetas. O que esta região precisa é de água.
- Mas doutor, e a tradição, o feito heróico de nossa gente, a brava gente que combateu duros combates? Não existia outro lugar para o açude?
- Tudo já foi projetado. Trarei para Cocorobó o cruzeiro, o monumento do canhão, já tenho lugar para colocá-los...
- Um cearense de pulso drena o passado, inundando Canudos. O Conselheiro construiu, o senhor irá destruir.
- O moço verá que de Canudos só resta o lugar. Lá será a grande bacia do açude."

Com sabedoria, LeGoff disse que quem manipula o poder, manipula o esquecimento. Pesquisas ainda são necessárias. Mas não deixa de ser curioso que a construção do açude de Cocorobó tenha ocorrido na vigência da "guerra fria", da "caça às bruxas", e que o afogamento da Canudos renascida tenha tido lugar no ano de 1969, auge da repressão do regime militar. No entanto, o mito continua vivo. Canudos não foi esquecido. Enquanto perdurarem as condições infra-estruturais que impedem o acesso do sertanejo à terra e estabelecem distâncias inconcebíveis entre os que têm demais e os que nada têm, o homem do sertão estará pronto a seguir aquele que lhe aponte o caminho da esperança e da redenção final.

[assista ao documentário sobre o açude: https://www.youtube.com/watch?v=6-i42OGLVg4] 

O fim

[detalhe da famosa foto das prisioneiras do final da guerra, que consta no livro Os Sertões do Euclides da Cunha - mosta uma mãe carregando seu filho às costas]


"Fechemos este livro.

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dous homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.

Forremo-nos à tarefa de descrever os os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos.

Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem...

Ademais não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrasssem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos?...

E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, entre eles aquele Antônio Beatinho que se nos entregara, confiante - e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa história?

Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5200, cuidadosamente contadas." 

Epílogo de Os Sertões - Euclides da Cunha

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

E eu mergulhei nas águas do açude...

"Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso... " - jagunço Riobaldo - Grande Sertão: Veredas - JGR

Para mim foi momento solene.

Imaginar quantos mortos há debaixo dessas águas. Os cemitérios de Canudos, de Belo Monte.

Os sertanejos mortos no confronto. Estima-se que 20 mil conselheiristas, para mais, ou para menos, estejam sepultados aqui. Creio que grande parte nem tenha recebido sepultamento, propriamente, pela forma do desenrolar da guerra.

E mais os soldados combatentes mortos. As crianças, os velhos, as mulheres.

Quanto sofrimento eu imagino ter corrido aqui. O diabo na rua, no meio do redemunho. E o que talvez seja o maior milagre de todos, a enorme paz que eu sinto estando aqui. Teria a fé do Conselheiro e dos sertanejos da cidadela sublimado toda a memória do sofrimento, da guerra, desse lugar?

E que caminhos foram esses que me trouxeram até aqui?

Tive medo de sair para essa peregrinação. Não sabia se chegaria até aqui.

Pois bem, cheguei, e agora o momento mais difícil, o de mergulhar nessas águas, sabendo tudo o que eu sei. Tenho medo?

E eu mergulhei nas águas do açude...

Que estranha comunhão é essa que me leva a mergulhar nessas águas, de tantos mortos, de beber essa água salobra, de comungar dos restos mortais dessa gente, sangue do meu sangue brasileiro, dessa guerra fraticida, respeitosamente?

Seria a vontade de morrer também, e sair daqui renascido, para outros rumos, para o futuro, que está acima do futuro, e não debaixo do passado?

Agora eu sei menos do que eu sabia. E escrevo essas mensagens não para o leitor do blog, mas para mim mesmo, para tentar descobrir o que aconteceu comigo nessa peregrinação.

Mais de Alto Alegre e de Cocorobó

Na caminhada até as ruínas da Igreja, passamos sobre uma ponte que era a antiga ponte sobre o leito natural do Vazabarris. Normalmente a ponte fica submersa, mas com a baixa do nível do açude, a ponte ressurge e volta a ser utilizada pelos habitantes locais:





Em 1997 houve um evento em comemoração aos 100 anos do massacre: foi instalado um monumento com um cruzeiro em Alto Alegre e foram instaladas 100 cruzes com nomes de conselheiristas mortos no combate. Pena que ultimamente os moradores estejam retirando as cruzes, muitas delas encontrei jogadas ao chão:





E o que mais tem por aqui é cabra, bode e cabrito:


Nessa viagem, comi muita carne de bode com arroz, feijão de corda!

E voltando para Cocorobó (Canudos) ainda visitei a barragem de Cocorobó, com direito a visitar o Jorrinho (uma espécie de balneário que fica aos pés da barragem, com local para se refrescar com uma ducha de água do açude).







E eu mergulhei nas águas do açude...

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Alto Alegre


Pouco ao norte do trevo de Bedengó, está a saída para o povoado de Alto Alegre, uma vila de pescadores hoje chamada de Canudos Velho.

Lá fica o museuzinho do Manoel Travessa, morador local que reuniu pequeno acervo com despojos da guerra:





Da Fazenda Velha pode-se avistar a torre da igreja velha de Canudos - mas é pelo Alto Alegre que pode-se acercar-se das torres. Com a seca brava na região o açude baixou mais de 6 metros, e andamos por cerca de 1 Km onde dantes era açude, para chegar onde era a famosa cidadela:




A expedição chegava a um grande momento. Emocionante. Ali senti paz em silêncio, com o vento soprando e agitando levemente as águas do açude. Em homenagem a todos que tanto sofreram nesse sertão de Canudos. Agora, que paz que faz por aqui!

O Parque Estadual de Canudos


Saindo de Canudos, indo em direção ao trevo de Bedengó, 11 Km antes deste está a saída para o parque, com asfalto bom até o portal. Dentro do parque é necessário percorrer-se cerca de 5 Km por estrada de terra em boas condições até os lugares históricos - trecho que a Haya foi e voltou sem problemas.

É interessante contratar-se um guia para uma visita orientada. Eu fui com o Jamilson, indicação da D. Joselene - gostei da companhia dele por este dia. Conversamos bastante no decorrer do dia.

A proposta da UNEB é transformar o lugar em um museu a céu aberto - e estão sendo instalados uns painéis de vidro muito interessantes, que deixam um efeito muito legal sobre a paisagem do lugar:






Antes de se chegar à subida da Favela, o vale da morte - caminho de fuga rumo a Monte Santo onde foram esterrados muitos mortos no conflito. Nesse vale há sítios arqueológicos onde foram encontrados tais corpos:



Na paisagem do lugar predominam as catingueiras e cactos:


Podemos visitar a localização dos Hospitais de Sangue, da Primeira e Segunda Colunas:




E em vários locais nos deparamos com trincheiras conselheiristas:


E enfim, chegamos ao famoso e esperado Alto da Favela:



De onde podemos ter uma exata e didática visão das descrições euclideanas do palco e da geografia da guerra: visualizar as serras do entorno (Cambaio, Canabrava, Poço de Cima, Cocorobó, ...) desse ponto privilegiado, por ser mais elevado na topografia local. Abaixo e ao norte, o açude de Cocorobó, onde jaz a cidadela submersa, onde era o leito do Rio Vazabarris.

Nesse local a 1a Coluna passou sufoco até chegar o auxílio salvador da 2a Coluna, pelas mãos do General Cláudio do Amaral Savaget, que foi gravemente ferido no sangrento confronto da travessia da Serra de Cocorobó. Momento crítico, pode-se dizer que por um fio a 4a Expedição não vai a pique, como as outras...

Alto da Favela porque aqui, outrora, havia muitas faveleiras. Não vi nenhuma, só catingueiras e mandacarus. Como aqui ficou acantonado elevado número de combatentes, no momento acima, vítimas do cerco jagunço, amontoamento de soldados e barracas - daí vem a designação de favela aos aglomerados urbanos desorganizados - as favelas das cidades recebem essa denominação decorrente dessa situação observada nesta guerra. Curioso... Abaixo foto de uma faveleira:



Pergunto como força tão numerosa podia ficar em desvantagem no conflito estando em topografia mais elevada, com a cidadela aos pés, em uma verdadeira furna, e com a disponibilidade da artilharia. 

Descendo do Alto da Favela em direção ao açude, as ruínas da fazenda velha, onde morreu o coronel Moreira César, que foi tomada a duras penas no dia 7 de setembro de 1897 pela 4a Expedição. Para chegar lá, andamos um pouco no Caminho de Massacará, ou estrada sagrada, porque era o caminho utilizado pelos sertanejos que se dirigia à praça das igrejas:



Muito interessante esse passeio. De repente, tudo o que eu li, estava ali, palpável e visível - de repente, tudo fazia muito mais sentido na minha cabeça, a geografia, a terra, as plantas...

Conhecendo Canudos: Memorial Antônio Conselheiro


Em Canudos a UNEB (Univ. Estadual da Bahia) mantém o Memorial Antônio Conselheiro. Fácil de achar ao se chegar à cidade:


Não tem um acervo muito grande, mas o mesmo está bem organizado, com um roteiro textual do desenrolar dos acontecimentos bem elaborado - bem como um roteiro textual sobre o roteiro da aventura de Euclides da Cunha como correspondente de guerra.




Interessante, nos fundos do museu, há um jardim com plantas da caatinga, devidamente identificadas, e uma estátua do Conselheiro: