sábado, 25 de dezembro de 2010

Mais do Guimarães


"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens." - J. G. R.

Conhecer Guimarães Rosa, através deste outro léxico, que ele próprio emprega para contar-se em palavras, abre um universo no qual reparo minha imensa ignorância, e aguço minha curiosidade para ler e humildemente aprender. Meu guia nesta viagem tem sido meu marido, e com este propósito me levou a Cordisburgo, a cidade natal do Guimarães, pequenina, cravada nos morros de Minas.
Já conhecia Cordisburgo, da infância, da Gruta do Maquiné. Mas não a conhecia pelo olhar do escritor, do poeta. A gruta visitamos logo pela manhã, com seus sete salões amplos, já transcritos em nosso blog nas belas palavras do Guimarães, na primeira viagem do Marcos ao sertão: 


Depois fomos ao Museu Casa do Guimarães, erguido na casa onde viveu com seus pais no início do século passado. Bonito, bem cuidado, rico em história e leitura. A visita guiada pelo contador mirim é emocionante. Ouvimos a passagem do Grande Sertão em que Diadorim fala que seu pássaro preferido é o Manuelzinho-da-crôa. Lindo demais, lágrimas nos olhos de nós três: Nos meus e do Marcos, de emoção, nos do Vítor, quando foi ao colo da contadora mirim e se afastou da mãe...


Foi isso. Foram estes 6 dias de visita rápida a um mundo diferente escondido nas serras e nos gerais. É preciso mais tempo para absorver mais da nossa terra e da nossa gente, tão diferente da gente mesmo, mas tão rica e tão cheia de lições. Até a próxima! Até lá, até lá. Até lá!!!

Dia 22/12: Mais pirão, e as piranhas...

Onde antes era só cerrado, hoje dominam os eucalipais: árvore única, avessa ao diverso, ao ex-biodiverso da fauna e flora locais, enfileiradas em um exército que resseca, invade, homogeniza. São milhas de sertão assim transformados para mover a máquina do mundo moderno. Testemunhar tão de perto traz culpa, a eterna culpa que não nos deixa desde que somos seres transformadores da natureza.
Passeamos pela BR040 de Pirapora à Três Marias: na faixa estreita que envolve a rodovia, cerrado virgem, guardado pelo governo federal, relembrando o que foi ontem. Fora isso é só eucalipto sem ter mais fim. Cruzamos o Rio "Abaeté", primeiro afluente do Chico depois da represa de Três Marias. Paramos para abastecer nossos corpos com surubin no Rei do Peixe, embaixo da ponte que passa o Rio São Francisco naquele ponto. Mais pirão de peixe pro Vitinho. E dali à Praia Mar de Minas, na represa. Quase mergulhamos na água convidativa, morna e cristalina, com nosso filhinho nos braços. Em tempo, fomos alertados da existência de piranhas naquele pequeno trechinho de "mar"...
O menino turbinado com pirão, a salvo das piranhas, ganhou uma ducha para refrescar e seguiu viagem com seus pais...

Próxima parada: Andrequicé - distrito de Três Marias onde viveu o vaqueiro Manuelzão, eternizado na obra de Guimarães Rosa. Lá um pequeno museu em sua memória na casa em que viveu: belo e simples, mas simples demais. Mesmo sendo a simplicidade o que sua vida tem mais a nos ensinar, nota-se outra vez a lamentável falta de interesse na conservação do patrimônio histórico de Minas Gerais. 

Havíamos desviado 20 km da BR para visitar Andrequicé, fomos e voltamos por entre eucaliptos da Gerdau, que invadiram e secaram o riacho de Andrequicé, conforme nos contou uma habitante local.
Dali, tomamos o rumo de Cordisburgo, pousada das flores, restaurante Sarapalha, vencedor no quisito "sinistro" da viagem, repouso nas flores, noite bem dormida e descansada. 


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pirapora, pirão de peixe

20/12/2010







A estrada desceu a Serra do Espinhaço até Curvelo. De lá seguiu rumo norte em direção a Pirapora. Seriam 306km desde Diamantina, mas aumentamos um pouco pra ver o Morro da Garça e a ruína da igreja com uma gameleira na Barra do Guaicuí - foz do Rio das Velhas no São Francisco. Por um capricho da natureza uma árvore imensa nasceu nas ruínas de uma igreja cuja construção foi iniciada em meados dos 1700 e nunca foi terminda. Dali voltamos para Pirapora, passando por uma casa de venda de cachaça mineira. Pirapora é simples. Banhada pelo Rio Chico, tem uma ponte construída no início do século XX - Ponte Marechal Hermes - que a liga a Buritizeiro. Na ponte só passam motos, bicicletas e pedestres, sinistra! Bonita! Pitoresca! Comemos Surubin na beira do São Francisco, maravilhoso! O Vítor comeu pirão de peixe, e gostou! Comeu muito, como faz com tudo que gosta, ficou a mil, não queria dormir - Pirão com adrenalina! Pirão com plutônio! Pirão atômico!!! Uma noite muito quente, de um calor intenso, constante, sem brisa. Depois de muito dormimos, no Hotel Canoeiros. Amanhecemos no calor e piscina nas margens do rio. Doces da região no mercado - pequi, buriti. Mais Surubin!! Um passeio para conhecer a cidade do lado de lá - Buritizeiro - menorzinha, com seus Buritis! Mais piscina! Descanso. Hoje o Vítor quer dormir!! Boa noite! Amanhã Cordisburgo.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Revisitando o Sertão de Minas

Em junho deste ano cá esteve o Marcos de V-Strom, conhecendo as entranhas do sertão de Guimarães Rosa, procurando sentir o que havia lido e relido no "Grande Sertão: Veredas", livro que tanto ama e que eu tanto tento decifrar, mas ainda rastejo nas primeiras páginas, buscando serenidade para ouvir o Riobaldo contar...
Agora cá estamos, Marcos, Vítor e eu. Ele quer me levar por onde passou, me mostrar o Guararavacã do Guaicuí, o Rio Chico em Pirapora e os Buritizais.
Passamos por Belo Horizonte para entrar no clima de Minas Gerais, convivendo 3 dias com minha linda família mineira. 


De lá saímos ontem de manhã pela BR040, depois de Sete Lagoas tomamos o rumo de Curvelo, e pouco antes ficamos 2h parados numa obra da pista. Muita gente mal educada ocupando as pistas. Muito calor e espera. O Vítor comeu sua papinha e reclamou um pouco do calor, mas logo em um posto ele descansou, retomamos a estrada e chegamos em Diamantina. Muita adrenalina para o pequeno bebê, em sua primeira peregrinação, que obviamente, vem sendo feita de carro... Um Toyota Corolla prata 2009.
Aqui, poucas opções, além do "Beber, dormir e rezar" citado anteriormente. Duas noites numa pousada boa demais e amanhã, Pirapora. E, para relembrar os tempos da Vermelhinha nas rutas do sul, parafrasenado nosso querido José Mojica Marins: "Até lá, Até lá. Até la!"

Dormir, beber e rezar




Domingo em Diamantina, Pousada Pouso da Chica. Terra da negra liberta que queria ter o mar. Pecadora dos 7 pecados capitais, caridosa e temente a Deus. Amante acima de tudo de seu marido João Fernandes. Terra de Chica da Silva, cuja casa foi o único ponto turístico aberto aos turistas neste domingo de dezembro. Chica que ordenou a construção da Igreja Nossa Senhora do Carmo, e hoje está enterrada na Igreja de São Francisco, onde a tarde a missa canta e invade as ruas silenciosas da cidadezinha, onde se vê o povo do lugar. REZAR.
Terra do nosso ex-presidente Juscelino Kubitschek, hoje estátua de praça que leva seu nome. Praça pacata por onde passeamos com nosso filho no colo, atingimos o centrinho da cidade, o Café "A Baiuca", onde os mineiros bebem. Almoçamos no restautrante "A Casa de Antônio" ao som da viola dos moradores que cantavam "...ter uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela, para ver o sol nascer...", com vozes embriagadas e desafinadas. BEBER.
Toca o sino às 18h. O Vítor e o Marcos rangem a rede relaxada na varanda do nosso chalé. O clima é ameno demais, vejo uma jaboticabeira, uma pitangueira, espinafres e hortelãs pelo chão, e O Limoeiro. "Meu limão, meu limoeiro, meu pé de jacarandá!"

Cantiga de ninar o bebê, que aprofundou no seu sono no colo do pai, no balanço da rede, no marasmo gostoso do fim de tarde, a descansar. DORMIR.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

E a coragem?

"Coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo." - Mark Twain

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O medo - é assim?


Fear - Raymond Carver

Fear of seeing a police car pull into the drive.
Fear of falling asleep at night.
Fear of not falling asleep.
Fear of the past rising up.
Fear of the present taking flight.
Fear of the telephone that rings in the dead of night.
Fear of electrical storms.
Fear of the cleaning woman who has a spot on her cheek!
Fear of dogs I've been told won't bite.
Fear of anxiety!
Fear of having to identify the body of a dead friend.
Fear of running out of money.
Fear of having too much, though people will not believe this.
Fear of psychological profiles.
Fear of being late and fear of arriving before anyone else.
Fear of my children's handwriting on envelopes.
Fear they'll die before I do, and I'll feel guilty.
Fear of having to live with my mother in her old age, and mine.
Fear of confusion.
Fear this day will end on an unhappy note.
Fear of waking up to find you gone.
Fear of not loving and fear of not loving enough.
Fear that what I love will prove lethal to those I love.
Fear of death.
Fear of living too long.
Fear of death.

I've said that.

A tradução desse e-mail você encontra no blog do Allan Sieber 
no post de 16 de novembro de 2010 - aliás, foi lá que eu tive 
contato com essa poesia e fiquei de postá-la aqui. 
Já sentiu algo parecido com isso?

Nesse blog tenho comentado frequentemente a respeito do medo. 
Existe, é humano, é presente o tempo todo em nossas vidas e 
muitas vezes sem sequer nos darmos conta tomamos decisões 
importantes (ou deixamos de tomá-las) por causa dele. 
Retomando algo citado anteriormente:


" (...) o pior inimigo está nos nossos corações, não fora dele!
Jean Vanier

Para dizer que o medo faz parte da nossa existência mas que, se 
permitirmos, ele pode fortalecer deveras o inimigo que existe 
dentro de nós:

"É o medo o mais ignorante, o mais injusto e o mais cruel 
dos conselheiros." - Edmund Burke

ou, simplificando, como disse o diplomata brasileiro falecido no 
Iraque Sérgio Vieira de Mello:

"O medo é um péssimo conselheiro"  

Vale a pena refletir um pouco sobre isso, não acha?http://talktohimselfshow.zip.net/

Medo e MOTOciclismo e alpinismo



O alpinismo é muito um retrato da essência humana, do desafio da busca do desafio, da atração pelo risco e lidar com o medo.
[Monica Schmiedt - diretora do filme/documentário Extremo Sul]

Imagino que com o alpinismo isso deva ser levado a um ponto mais intenso/extremo, mas para mim, o mesmo cabe para o MOTOclismo de aventura. Parafraseando a Monica:

O MOTOciclismo de aventura é muito um retrato da essência humana, do desafio da busca do desafio, da atração pelo risco e lidar com o medo.

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 5)


Observe o contraste do clima psicológico da equipe Extremo Sul com o da equipe (isso é mostrado no DVD) que atingiu o cume em 1995. Abaixo a transcrição das falas na filmagem realizada por um dos alpinistas:

Steve:
Acho que estamos prontos para começar esta escalada....
Pena que não tem muita visibilidade.. Mas poderia ser bem pior. E para  padrões patagônicos está bem razoável.
[início da tentativa de cume, ao amanhecer do dia]

Tim:
 Agora o medo da alvorada passou. e foi substituído pelo entusiasmo de um dia lindo e uma boa escalada. Valeu a pena cada instante de medo.
(...)
Que sensação de conquista vir aqui em cima!
(...)
Escalar é uma atividade engraçada: num momento, você fica morrendo de medo e , no outro, você se sente no topo do mundo! E todo aquele medo parece ter valido a pena.
(...)
Nós achavamos que não íamos conseguir. Parecia que não ia dar. O clima não estava cooperando. O Jim torceu o pé e o Charlie deslocou o ombro. Parecia que estávamos sem sorte.É sempre uma dura sensação chegar ao topo de uma montanha! - e isso tem a ver com a descida. A descida é sempre uma hora nervosa para mim.
(...)
É uma sensação incrível chegar perto do cume de uma montanha. Dá a maior vontade de chegar lá em cima. (....) Estou prestes a escalar o tramo final até o cume. (...)
Que bom que chegou a hora, porque achamos que não íamos conseguir. Mas pelo menos tivemos o bônus de chegar ao cume oeste (do Sarmiento).
Agora olhe isso! Que vista! Bom trabalho! Parabéns!
[cumprimentos mútuos entre os três membros da equipe ao atingir o cume]

Cume oeste do Monte Sarmiento - 1995
Stephen Venables
Tim Macartney
John Roskelley

Um aspecto interessante que pode ser percebido acima é o da efemeridade do medo. Eu já pude sentir isso várias vezes: momentos em que o medo incomoda, a pilotagem fica difícil, a MOTO não deita na curva, e dali a algum tempo, tudo passa, sem que as condições de pilotagem tenham sido alteradas substancialmente. Trata-se de um fenômeno muito interessante. Ou seja: está com medo? Calma, ele VAI passar! Evite o desgaste exponencial e cumulativo que a sensação do medo causa quando não temos esse aspecto bem claro (que ele passível de diluição com o tempo por natureza).

Vale a pena deixar claro que tudo o que eu comentei não entra no mérito técnico dos alpinistas: a questão não é quanto que a equipe bem-sucedida estava melhor tecnicamente que a equipe Extremo Sul e por isso atingiu o cume e sim o que propiciou, ou melhor, qual o conjunto de atitudes que levou uma melhor condição psicológica para se TENTAR o cume.

Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo!” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 4)

Barreta (o alpinista que queria subir o Cume)

[na base estabelecida na montanha para servir de partida rumo ao cume]
E nessa noite, eu tava conivente com toda a situação - de que não iríamos para cima - por mais que eu fosse contra. E ninguém teve a reação, ou o ímpeto, ou a coragem de ir.
Acordei no dia seguinte, com o tempo excelente. Mas não fizemos a nossa tentativa para escalar o Monte Sarmiento.

[em outro dia:]
O Sarmiento, tá ali, ó: o tempo está perfeito para uma boa tentativa de escalada: não tem uma nuvem no céu e não tem vento. Mas o acampamento dos alpinistas está vazio. Talvez esse seja o maior desperdício que eu já vi!

[e em mais um dia de tempo bom (em uma sequência de 4 dias consecutivos – coisa rara no local do Monte):]
Eu não sei que horas são. [lá fora o Sarmiento em um dia lindo, aberto] A expedição não terminou, mas o fracasso dela com relação ao objetivo alpinístico, é fato!

Por que eu venho aqui? Porque eu quero escalar a montanha. Não venho porque eu trago responsabilidade, ou porque o aspecto jurídico, ou porque... não!
[rebatendo diversos argumentos criados na equipe de que seria irresponsabilidade tentar subir ao cume]

Aonde é que eu tenho que assinar que eu quero escalar a montanha porque eu gosto de fazer isso? Posso?
[inconformado com a posição predominante da equipe de alpinistas – de que seria inadequado ou irresponsabilidade ou suicídio tentar o cume]

O cara quando fica com medo o queixo cai. Ele olha pro lado e fala ihhhhhh, vai faltar (... ) não vai dar porque tá faltando (...) corda (...) papel higiênico (...)  Aí começa a faltar tudo, não vai dar certo,  aí falta chiclete sabor hortelã...
[comentando sua impressão de que a negativa de se tentar o cume não vinha dos argumentos apresentados, nem de motivo real, e que o medo dominou os colegas é gerou uma séria de desculpas esfarrapadas]

Se eu tenho medo? Tenho! Eu não tenho medo de escalar essa montanha! Eu não tenho medo de escalar ela porque eu sei dos meus limites e eu sei dos perigos!

O Barreta manifestou claramente em diversos momentos sua insatisfação pela decisão dos alpinistas de não se tentar o cume. Aqui vale a pena citar a dificuldade em se manter o foco no objetivo - no caso, a tentativa do cume - dentro de uma proposta audaciosa e com uma equipe tão grande (entre alpinistas da expedição e de apoio devia de haver mais de dez). Quanto maior a equipe mais fácil a fragmentação de objetivos e a proliferação do medo:

Alguém estiver com medo, por exemplo, próximo, o medo dele quer logo passar para o senhor; mas, se o senhor firme aguentar de não temer, de jeito nenhum, a coragem sua redobra e tresdobra, que até espanta.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Creio que foi isso o que aconteceu: a somatória de um objetivo audacioso, uma equipe grande, sem a devida convivência prévia para que uns conhecessem bem aos outros em situações limite, dessa fragilidade dos laços entre os alpinistas a proliferação da dúvida, do receio, do medo que culminou com o abandono do objetivo sem nem mesmo ter realizado a tentativa do cume.

Por isso que eu acho mais fácil se comprir um objetivo mais audacioso SOLO (se a situação permitir, o que não era o caso) ou com uma equipe pequena (no caso de viagens de MOTO, duas ou três MOTOS): é muito difícil você ter o nível de estrosamento necessário em equipes maiores. E isso tem um custo elevado em atividades que exigem elevado desempenho do grupo por períodos prolongados, e o resultado é que muitas vezes o fruto da aventura acaba sendo não o êxito de objetivos, e sim a discórdia entre os membros do grupo.

O senso geral indica que mais é mais e melhor, mas a verdade é que muitas vezes, em atividades cíticas, MENOS é mais e melhor, em situações onde todo o excesso pode ser castigado.

E o Barreta pagou um preço alto por deixar bem claro seu ponto de vista: acabou isolado do resto do grupo. Assistam ao DVD...

Observem na última citação do Barreta o aparente paradoxo, onde ele assume e nega o medo sequencialmente. Paradoxo que aparentemente se resolve com a afirmação de que ele conhece os seus próprios limites. Esse é um ponto crucial, acredito: em uma aventura, por mais adversa que seja a situação, o que causa problemas ou acidentes na maioria das vezes acaba nem sendo a adversidade em si, mas a extrapolação de limites que, se bem conhecidos, poderiam ser respeitados evitando a situação específica de exposição a riscos de maneira inapropriada:

" (...) the worst enemy is inside our own hearts not outside!" - Jean Vanier
[o pior inimigo está nos nossos corações, não fora dele!]

O pior não é a montanha, nem os ventos, nem as baixas temperaturas, nem o risco de avalanches, mas sim a capacidade do alpinista em conhecer os seus próprios limites. Isso vale também para o MOTOaventureiro e para qualquer pessoa, eu acho.

"O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito, desfaz-se - basta a simples reflexão." - Machado de Assis

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 3)

Eduardo Lópes (alpinista argentino)

Creio que o grupo está preparado para uma escalada assim, mas ... [segue uma longa enumeração de diversas desculpas esfarradadas]

O tempo bom se foi, e não creio que o Sarmiento nos dê outro dia bom... [na verdade a equipe foi agraciada com vários dias de tempo aberto, o que é muito raro nessa região]


Eu sempre sabia: um dia, o medo consegue subir, faz oco no ânimo do mais valente qualquer...” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa


Nativo (alpinista curitibano)

Para carregar uma pessoa em uma maca daqui até lá embaixo precisa no mínimo de 12 pessoas ... [mais uma justificativa para não subir]

Eu fico um pouco apreensivo com isso [com o tempo bom que vinha fazendo] porque sei que a qualquer momento isso pode mudar. [se o tempo está ruim não dá (para tentar o cume) porque está ruim, e se está bom também não dá?]



Medo agarra a gente é pelo enraizado.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa


Alpinista argentino da equipe de apoio:

Quando chegamos aqui  começamos a nos dar conta do tamanho desta  montanha. Depois de 3 minutos, quando esse colosso apareceu, pude ver que era uma loucura.

A montanha agora se nublou...
[após a primeira janela de tempo bom, e também de momentos tensos de discussão e conflito na equipe]

Não estamos a altura desta montanha. Nenhum de nós. É suicídio.

Julio Contreras – médico e alpinista chileno

Eu penso em subi-lo. Mas não agora!
Em outra expedição, talvez...

Essa montanha está absolutamente fora de minha capacidade como escalador!
[em um momento posterior à afirmação inicial]

Observem nos comentários acima a enxurradas de desculpas, que surgem em um momento de assimilação de um "medo primordial" que desencadeou o clima de desacreditação geral na capacidade da expedição em atingir ou tentar atingir o seu objetivo.

Sylvestre - diretor de fotografia

Eu tô convencido que, com a aparição da montanha, todo mundo ficou abalado, mas muito abalado, e ninguém sabe se explicar...


Acho que eu não tinha conciso medo dos perigos: o que eu descosturava era medo de errar — de ir cair na boca dos perigos por minha culpa. Hoje, sei: medo meditado — foi isto. Medo de errar. Sempre tive. Medo de errar é que é a minha paciência. Mal. O senhor fia? Pudesse tirar de si esse medo-de-errar, a gente estava salva. (...) Um ainda não é um: quando ainda faz parte com todos.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 2)


Walter Rossini (alpinista argentino membro da expedição)

Pra mim é um problema de consciência, humano, algo assim...
[justificando porque decidiu não tentar o cume]

Creio que o Sarmiento pode tentar nos falar, mas neste momento ainda não me adaptei bem para poder escutá-lo.
[ao ser indagado sobre a possibilidade de tentar o cume em um dia lindo, em que o monte clamasse: Venha Walter, Venha! - com um “sorriso”, “pedindo” para ser escalado]

Não se morre por não chegar ao cume...

O Walter parecia ser o melhor alpinista física e tecnicamente falando. Aparentemente considerou inadequado subir ao cume dentro da estrutura do projeto, que incluía, além do objetivo "alpinístico", o cinematográfico. Talvez tenha se sentido incomodado com a visão do Monte e com o fato de ter os seus passos documentados no filme. Isso deve ter feito uma grande diferença: se envolver em uma atividade de risco e poder ter seu fracasso devidamente registrado.

Mas imagino que o peso do objetivo cinematográfico tenha sido um fator não crítico: provavelmente, se a equipe tivesse permanecido coesa, motivada e com a moral elevada, teriam tentado (que fique bem claro: tentar!) o cume mesmo arrastando uma âncora e dez operadores de câmera lá para cima.

O estado de espírito que conduziu o Walter a desistir do cume fica expresso quando declara que ele ainda não se adaptou para poder escutá-lo (ao Monte).

Com relação à última transcrição da fala do Walter: ao se realizar uma atividade de risco, você precisa estar preparado para abrir mão do seu objetivo. Isso é algo que parece óbvio mas imagino que muitos já se lançaram em algum tipo de aventura sem ter isso claro para si mesmos.

Tentar o objetivo sem levar em conta as circunstâncias reais do momento presente em que se iniciará a ação propriamente dita (no caso, a tentativa de cume a partir do acampamento) para mim é sinal de falta de maturidade e de inteligência.

Lemas como “nunca retroceder”, “sempre avante” e por aí vai não podem ser levados a sério pelo aventureiro que tem experiência, consciência e visão crítica do que está fazendo.

Ninguém é obrigado a nada. Perdeu a vontade, a moral baixou inesperadamente, está se borrando de medo ao ver a montanha, seus pés não querem se mover para lá?  Não acordou bem-humorado? Não sente que está com a energia boa no momento? Se deu conta que não quer ir justamente só naquele momento? Enfie o rabinho no meio das pernas e volte para casa. Se o medo dominou você, tudo bem, isso é humano.  Agora partir para uma escalada de risco sem o domínio e a consciência necessários das próprias emoções é um grande erro. Se algo vier a dar errado, o que não pode acontecer é depois vir a se lamentar com afirmações do tipo "eu não estava a fim" ou "eu sabia que ia dar errado".

Para mim, as declarações do Walter são indícios de que ele já atingiu a maturidade como aventureiro / esportista.

Pena ver que o grupo não teve a consciência do que estava contecendo, o que deu margem a uma série de desencontros e discussões. Mas fato é que em uma expedição com tantos membros, torna-se muito difícil não se deixar envolver pelo turbilhão das emoções e das vontades (ou da falta de vontade). Mas tudo isso serviu para rechear o clima do documentário com as emoções humanas durante a aventura.

Medo que maneia. Em esquina que me veio. Bananeira dá em vento de todo lado. Homem? É coisa que treme. (...) Tem diversas invenções de medo, eu sei, o senhor sabe. Pior de todas é essa: que tonteia primeiro, depois esvazia. Medo que já principia com um grande cansaço. Em minhas fontes, cocei o aviso de que um suor meu se esfriava. Medo do que pode haver sempre e ainda não há. O senhor me entende: costas do mundo.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 1)



O que o medo é: um produzido dentro da gente, um depositado; e que às horas se mexe, sacoleja, a gente pensa que é por causas: por isto ou por aquilo, coisas que só estão é fornecendo espelho. A vida é para esse sarro de medo se destruir; jagunço sabe. Outros contam de outra maneira.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Esses dias passou na TV cultura o documentário Extremo Sul. Assisti pela metade, acabei comprando o DVD (aliás, muito legal, caixa ilustrada com fotos e com um DVD de extras - recomendo! – comprei pelo site da livraria cultura).

Trata-se de um filme realizado para documentar uma expedição de alpinistas em 2003 com o objetivo de atingir o cume do Monte Sarmiento, localizado na porção chilena da Terra do Fogo. Local inóspito, dominado pelo mal tempo em uma região de encontro dos ventos do Pacífico e do Atlântico, com muito frio, e o Monte Sarmiento dominando a paisagem de maneira isolada (seu cume fica a cerca de 2,3 mil metros acima do nível do mar e a 1700 metros acima dos topos dos montes ao seu entorno). Nas palavras do alpinista Barreta, que fez parte da expedição, um lugar mágico, misto de montanha com cogumelos de gelo.

Para alguns, uma escalada tão ou mais difícil que a do Everest.  Poucas equipes conseguiram chegar lá.

O titulo me atraiu por 2 motivos: pela presença das magníficas paisagens da patagônia mais austral, com seus glaciares, região que eu e a Antonela já visitamos de MOTO na primeira edição da Expedição Cone Sul. De fato, as imagens do DVD são de tirar o fôlego. Foi uma bela recordação dessas paragens austrais.

O segundo motivo diz respeito à identificação que vejo entre alpinistas e MOTOciclistas de Endurance ou de aventura:

Ambos se submetem a uma atividade de risco. Ambos são assombrados, continuamente, pelo medo. Ambos são fascinados pelos seus objetivos, seja o cume de uma montanha isolada ou um lugar remoto que represente um objetivo de peregrinação em sua MOTO.

Ao assistir o filme, impressionante a identificação que tive com o clima psicológico dos alpinistas no decorrer da aventura. Acho que é um bom material para discorrer um pouco sobre como o medo atua na vida dos alpinistas, MOTOciclistas, e em verdade, na vida de qualquer ser humano.

Adianto que a equipe não atingiu o cume. E o que era para ser um filme a sobre uma aventura radical, acabou sendo um documentário sobre a reação humana à aventura, à percepção do risco e ao medo.

Nas próximas entradas do blog transcrevo algumas declarações encontradas nesse documentário para dar amparo a alguns comentários que farei a respeito do medo e da aventura.

sábado, 6 de novembro de 2010

O Passeio


Na entrada anterior do blog comentei do livro "A Arte de Pilotar o Medo" do Álvaro Larangeira.

Terminada a leitura do livro, fui para a net procurar um exemplar do livro anterior do Álvaro, chamado "O Passeio".

Felizmente encontrei um exemplar à disposição em um sebo virtual. Comprei. Li. Minhas impressões sobre o livro:

Narra uma viagem de um grupo de motociclistas de Porto Alegre a um encontro em Foz do Iguaçu. Nada de mais: percurso com menos de 3 mil Km. Por isso poderia dizer que o Álvaro é um boiola em escrever um livro sobre uma viagem tão "normal". Felizmente não posso dizer isso, porque para eu alcançar os méritos atingidos pelo Álvaro em duas rodas eu ainda tenho que tomar muito Toddynho...

Mas através de uma viagem "normal", "simples", ele consegue agregar valor a algo atingível à maioria das pessoas. Ou melhor: mostra que podemos agregar valor ao que fazemos em nossas vidas. Sem essa de escrever livro de viagem para Ushuaia, Alaska, ao redor do mundo; não importa o que você se dispõe a fazer: se faz com paixão e analisa o valor de cada sentimento e movimento, já está com a vida salva e com material para escrever um belo livro, capaz de encantar as pessoas.

Porque buscar valor somente no que parece inatingível? E a relatividade das coisas, dos objetivos? Para muitos, viajar de moto para Ushuaia é impensável, e para muitos é arroz-feijão. Nem uma coisa nem outra. Depende de cada um. E não há problema algum em julgar um passeio como esses uma grande aventura. É isso que o Álvaro mostra.

Se o livro não tivesse sido escrito pelo Álvaro, eu desconfiaria. Provavelmente nem o leria. Puro preconceito. Admito.

Recomendo a leitura, aproveitem o passeio. Alguns trechos interessantes:


"Um passeio de motocicleta é como uma vida: tem início, fim e meio. O meio é a maior parte, é a mais significante, é o que importa, é com ele que devemos nos preocupar. O início não está totalmente em nossas mãos, mas podemos influenciar. O fim depende do meio, e pode ser esperado, isto é, previsto ou não. O meio, este sim é que importa, então é com ele que devems nos preocupar. Com as paradas no meio da estrada, com quem encontramos nessa caminhada, como agimos e reagimos a esses encontros e desencontros.

(...) Em um passeio nem sempre tudo é maravilhoso, nem sempre tudo dá certo. Devemos estar preparados para enfrentar qualquer situação. Devedmos estar sempre preparados para aceitar o que não podemos mudar e agir quando pudermos fazer alguma diferença.

(...) George Santayana já dizia: There is no cure for birth or death just enjoy the interval (traduzindo: “Como não tem cura para nascimento ou para a morte, então aproveite o intervalo”).

Aproveite a sua vida, como se fosse um passeio, como se o objetivo fosse conhecer, aprender, crescer e passear... passear e viver, viver e passear."


E um outro trecho:

"A maioria (das pessoas) vive em função de um passado que não volta mais e e de um futuro que ainda não chegou."

Dia desses eu estava trabalhando e recebi um telefonema do Beto Marshall. Me pedindo o telefone do delegado Sezefredo Lopes de Bagé. Passei o número para ele, conversa curta, achei que o Beto queria ir combinar um churrasco daqueles que o Lopes sabe fazer. Lamentavelmente o motivo era muito muito outro: o Álvaro, que era bageense, havia falecido.

O Álvaro eu não cheguei a conhecer pessoalmente, só através dos livros mesmo. Parabéns a ele e meus agradecimentos pela sua mensagem.

"A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho. (...) Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia." - jagunço Riobaldo - Grande sertão: veredas

É isso aí, Álvaro, é isso mesmo, Riobaldo: o real não está na saída e nem na chegada. Se dispõe para a gente é no meio da travessia.

domingo, 17 de outubro de 2010

A Arte de Pilotar o Medo


Essa semana li o livro acima do Álvaro Larangeira: A Arte de Pilotar o Medo.

Narra a realização do primeiro Costa a Costa 50 da América Latina (CC50 LA) - do Oceano Atlântico ao Pacífico em menos de 50 horas, através de 4 países (Brasil, Uruguai, Argentina e Chile), certificada pela Iron Butt Association.

Nessa aventura, o Álvaro conta com companhias ilustres: Beto Marshall (muuito estranho ler um livro onde um amigo é personagem: ficava imaginando a cara do Beto nos acontecimentos da narrativa), Ron Ayres (http://www.ayresadventures.com/) e Michael Kneebone (presidente da Iron Butt Association).

Consegui o livro em um sebo na web: a edição está esgotada.

Infelizmente o Álvaro, natural de Bagé, faleceu este ano. Em conversas com amigos gaúchos obtive informações de que a famíla, seus filhos, estariam se mobilizando para lançar um livro inédito do Álvaro (ele já tinha lançado, além desse que eu li, o livro também sobre MOTO chamado "O passeio" e "As filhas da mãe Joana" - livro de ficção) - bem como em lançar uma nova edição do "A Arte de Pilotar o Medo".

Leiam um trecho do livro:

[cena: rodando de moto na cordilheira dos Andes em direção ao Paso El Libertador, apreciando as nuvens negras adiante e a chuva que começava a cair:]

O Motociclista mais experiente do grupo era o Michael Kneebone (...). Depois de colocar a capa de chuva, ele se aproximou de mim e perguntou:


- Álvaro, is that rain dangerous?


- No Michael, don't worry about it.


Depois dessa conversa, subimos em nossas motocicletas e continuamos a viagem. Muito devagar, pois a chuva estava forte e a visibilidade era quase zero. A estrada continuava horrível. Superar as dificuldades da estrada era mais fácil do que superar o medo de enfrentar os Caracoles no meio da noite. Aquela pergunta do Michael estava batendo forte na minha cabeça. Será que ele estava com medo?

Pelo amor de Deus... os momentos mais aterrorizantes que passei na minha vida foram em tempestades na cordilheira. Se a pergunta do Michael fosse feita hipoteticamente para mim, eu responderia: - Michael, we are extremely fucked up!

Coragem maior é reconhecer o medo e ser sincero ou reconhecê-lo e mentir?

Muito legal ler esse livro para entrar na cabeça do Álvaro e saber as reações da sua psique frente ao perigo. Não é todo dia que a gente pode ouvir essas histórias de alguém tão experiente. Isso vale ouro.

Enquanto tem um monte de farsas por aí posando de Experiente Motociclista, com letras maiúsculas, existem algumas pérolas cheias de experiências para transmitir soltas por aí, como essa que o Álvaro deixou através do seu livro.

Muito bom seria se os que podem agregar valor VERDADEIRO gravassem, de alguma maneira, o seu testemunho.

A Antonela gravou o dela no seu livro. Eu tento colocar nesse blog e no meu site algum conteúdo que leve a reflexões sobre viagens de MOTO. Mas eu sei de gente que é mais inteligente que eu e a Antonela ao quadrado e que já rodou mais que eu e a Antonela à décima potência que poderia escrever coisas interessantes para quem tiver ouvidos (não é, Beto Marshall)?

Mas voltando à questão: Coragem maior é reconhecer o medo e ser sincero ou reconhecê-lo e mentir?

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O medo

por Frédérick Leboyer


Quem não interrogou, um dia, sobre a vida?
Quem não procurou, alguma vez, saber o que ela é?
Perguntas bastante pretensiosas.
Todavia, há quem mais modestamente pergunta:
"Onde começa a vida? E quando?""
há uma resposta imediata, simples e evidente:
"A vida começa com o nascimento".
E toda a inquietação desaparece.
Certeza?
A vida começa com o nascimento...
É mesmo?
No ventre...
No ventre de sua mãe, a criança já não está viva? Ela não se mexe?
Sem dúvidas, ela se mexe. No entanto, segundo algumas pessoas. Ali só existe atividade reflexa.
Atividade reflexa! Não!
Hoje nós sabemos que, bem antes de "vir à luz" , a criança percebe a claridade. E escuta. E que, do seu cantinho escuro, ela espreita o mundo.
Sabemos nós que ela passa da vigília ao sono. E até mesmo que sonha!
Por isso, achar que a vida começa com o nascimento é um grande erro.
Mas então, o que é que começa quando a criança vem ao mundo? O que é isso senão a vida?
O que começa
é o medo. 
O medo e a criança
nascem juntos.
E nunca se deixarão.
O medo,
companheiro secreto,
discreto como a sombra
e, como ela, fiel, obstinado.
O medo
que não nos abandonará,
a não ser no túmulo, 
para onde, com fidelidade,
nos conduzirá.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A entrevista que não foi ao ar


Retomo um post relacionado ao livro da Antonela: para quem não sabe, minha esposa Antonela escreveu um livro contando a história da nossa viagem pelo Cone Sul até Ushuaia de moto (maiores informações acesse: http://www.motoconesul.com/).

Desde o lançamento, temos recebido inúmeras mensagens dos leitores elogiando o livro. Evidentemente que isso muito nos alegra, nos traz a sensação de dever cumprido (é claro que não fizemos o livro visando retorno financeiro - se assim fosse, estaríamos chorando agora...)

E um dia desses recebemos um convite de um portal de mototurismo para responder a uma entrevista sobre a nossa aventura em duas rodas até Ushuaia. Pois bem, dedicamos um tempo precioso para preparar o material com o carinho que consideramos que as pessoas interessadas na nossa história e no nosso livro mereçam. Só houve um problema: mandamos a entrevista mas ela não foi publicada e não recebemos nenhum contato, nenhuma resposta sequer dos editores do portal.

Convido ao caro visitante do blog que leia a entrevista e poste aqui o motivo pelo qual considera que ela não tenha sido publicada.

De qualquer maneira, como podem ver, de certa maneira ela está publicada agora aqui no nosso blog: clique aqui para ter acesso ao texto em arquivo formato .pdf

[e quem porventura quiser adquirir um exemplar do livro, acesse http://www.motoconesul.com/ ou nos mande um e-mail: mcatania@terra.com.br ou anto74@terra.com.br]

Motociclismo de Endurance - parte III: avacalhando


Já que é para facilitar, aos adeptos da fast food way of life (vide texto do post anterior para entender o que eu quero dizer), nada mais fast que isso: acabo de abrir uma empresa para prestar assistência a quem quer um diploma da IBA para por na parede:
Eu faço todo o planejamento, e na data que o cliente quiser, EU arranjo as testemunhas de saída, o cliente sai do posto após abastecer, vira a esquina e EU pego a moto do cliente, que pode ficar dormindo no carro no posto ou fazer o que quiser, faço todo o percurso (juro que pego todos os comprovantes direitinho), sem carro de apoio, evidentemente, volto para o posto, paro uma esquina antes, ligo para o cliente e zap: ele pega a moto e entra triunfante para o abastecimento final, onde já estarão esperando seus amigos, familiares, gato, papagaio e testemunhas de chegada.

Agora, é escolher a prova: Saddlesore, Bun Burner, Bun Burner Gold, Coast to Coast, Coast to Coast back to Coast, ...

Acham que a minha empresa tem futuro?
[em um mundo onde as pessoas pegam filet mignon para passar no moedor de carne para comer carne moída, uma vez que não está na moda preparar uma boa carne, eu acho que a proposta tem futuro sim]

domingo, 26 de setembro de 2010

Motociclismo de Endurance - parte II: a minha opinião

Cheesecake - Maria Lola Restó - Ushuaia
Essa entrada é para manifestar a minha opinião sobre a participação de interessados em provas de endurance em provas organizadas por empresas, mediante pagamento de taxas.

Como o texto todo ficou longo, disponibilizo neste link (clique aqui) a minha dissertação em arquivo .pdf (Por que não participar de provas organizadas). Seja você novato ou experiente em motociclismo de endurance, invista algum tempo lendo o texto, e poste sua opinião aqui no blog.

Considero a discussão desse assunto muito importante, inclusive para a segurança daqueles que pretendem participam de provas como estas das quais estamos conversando.

Desculpem o texto longo. Mas fiz questão de documentar, em domínio público e de livre acesso, as opiniões descritas. Porque, sem isso, fica só a propaganda dessas empresas que atuam, conforme exposto, de maneira equivocada. Espero que quem porventura se interesse em participar de tais grupos possa ler o que eu escrevi a fim de refletir utilizando-se de argumentos que não serão veiculados na propaganda dessas empresas, evidentemente.

Considero minha obrigação como Iron Butt em divulgar o ideal do Motociclismo de Endurance SEM foco comercial. O ideal que foi disseminado aqui no país por pessoas como Álvaro Larangeira (clique aqui para ler a sinopse de A Arte de Pilotar o Medo, livro do Álvaro), que deixou muitas saudades entre todos nós (infelizmente, faleceu há pouco tempo). Novamente, desculpem o texto longo, mas não podia permanecer calado.

Por que comer em um MacDonalds se você pode optar por comer uma bela refeição, como a que comemos em Ushuaia no Maria Lola Restó, ser mais feliz e aproveitar mais a vida?

Fiquem à vontade para deixar seus comentários.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

E por falar em trocar idéias sobre Motociclismo de Endurance


Criei um grupo de discussão no Yahoo Groups visando agrupar idéias, técnicas e opiniões a respeito do motociclismo de endurance. Para saber mais do grupo:

http://br.groups.yahoo.com/group/ironbutt_brasil/

Acho interessante quem gostaria de ir por esse rumo - motociclismo de longa distância - ter um fórum para trocar idéias e para quem já é cobra escovada no assunto, possa ter um local para aprender com outras cobras, escovadas ou não.

Fica o convite apresentado a todos os amigos MOTOciclistas para fazer parte do grupo Iron Butt Brasil.

Motociclismo de Endurance - parte I


As provas de endurance estão se popularizando por aí...

Você sabe do que se trata?

Existe uma associação americana - a Iron Butt Association - que realiza a certificação de provas de endurance. O MOTOciclista que deseja ser certificado e, por tabela, virar um membro da Iron Butt Association (IBA), precisa cumprir uma das provas estabelecidas pela associação (veja em http://www.ironbutt.com/), preparar a documentação após realização da prova (utilizando-se para isso de critérios de certificação semelhantes aos utilizados no Guiness Book of Records), e aguardar o escrutínio da papelada pela equipe da IBA. Caso a documentação seja aceita em conformidade às normas estabelecidas, você receberá seu número de inscrição na associação e um diploma da prova realizada e, agora,  certificada.

Para citar um exemplo, a "prova de entrada" para a associação, ou melhor dizendo, a prova habitualmente realizada por quem tem interesse em ingressar na IBA é o Saddlesore (tradução ao pé da letra: escara de assento), que consiste em se percorrer pelo menos 1000 milhas (1609 Km) em menos de 24 horas.

Por que alguém dedica tempo e dinheiro nisso não vem ao caso discutir neste post. Mas fato é que cada vez mais motociclistas se interessam e há um número crescente de motociclistas certificados aqui no Brasil.

Quando eu fiz, alguns anos atrás, creio que havia cerca de 20-30 brasileiros certificados. Hoje esse número é muito maior. E mais pessoas sabem da existência da IBA. Muitos acham que ser Iron Butt é algo para se gabar, vêem na certificação algo a ver com a construção de um mito pessoal (vejam bem, eu não vejo a coisa dessa maneira: os ideais da IBA são muito mais nobres do que isso, dê uma olhada no site deles). E cá entre nós, o que não falta por aí é neguinho querendo ser melhor que os outros, e se tem algo que "prova" isso, here we go again...

E nesse incremento de interesse pelo assunto, pela IBA e pelas certificações, na popularização da coisa, espertinho percebeu oportunidade de negócio: o interessado para X reais, recebe as orientações para fazer a prova, é marcada data e horário para a partida, quando em grupos os candidatos a Iron Butt seguem por um roteiro pré-determinado pela empresa organizadora, com carro de apoio (??????? - qual o sentido disso???? fazer uma prova de endurance com carro de apoio?????) e terminada a prova, a empresa se responsabiliza pela preparação e pelo envio da documentação.

Eu tenho opinião muito consolidada a respeito desse "movimento" de pessoas que se agrupam para fazer provas de endurance organizadas por empresas. Mas vou deixar para comentar em outro post.

Por enquanto gostaria que você, leitor, se manifestasse a respeito, inserindo comentários neste post. Quero ter a oportunidade de confrontar  a minha opinião com a de outras pessoas.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Clipe da 2a etapa da Expedição Cone Sul

Postei no Youtube um clipe da 2a Etapa da Expedição Cone Sul:

http://www.youtube.com/watch?v=y6SiQ5hwczw

A trilha musical é dos 10000 Maniacs e Nathalie Merchant, transcrevo abaixo a letra, é bem legal:

10,000 Maniacs: These Are Days Lyrics

Songwriters: Buck, Robert; Merchant, Natalie;

These are the days.

These are days you'll remember.
Never before and never since, I promise, will the whole world be warm as this.
And as you feel it, you'll know it's true that you are blessed and lucky.
It's true that you are touched by something that will grow and bloom in you.

These are days you'll remember.
When May is rushing over you with desire to be part of the miracles you see in
every hour.
You'll know it's true that you are blessed and lucky.
It's true that you are touched by something that will grow and bloom in you.

These are days.

These are the days you might fill with laughter until you break.
These days you might feel a shaft of light make its way across your face.
And when you do you'll know how it was meant to be.
See the signs and know their meaning.
It's true, you'll know how it was meant to be.
Hear the signs and know they're speaking to you, to you.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Arquivos / mapas / tracklogs

Quer acesso aos mapas / tracklogs da viagem pelo Sertão?

Acesse: http://www.motoconesul.com/, e clique no link Arquivos no menu à sua esquerda na tela.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Ajudem-me: pedido de IDÉIAS


Essa viagem ao sertão rendeu muitos frutos, sem dúvida.

Espero que tenha incentivado alguns a ler Guimarães Rosa: leitura que com certeza ajuda muito mais do que qualquer livro de Auto-Ajuda. E incentivado, é claro, as pessoas a viajar.

Agora pensei outra coisa, muito importante, mas não sei como operacioná-la - explico: poderia minha viagem chamar a atenção para a importância em se preservar lugares como a Matriz de Itacambira?

Quem sabe levantar a bola para um patrocínio nesse sentido? Chamar a atenção para esse patrimônio histórico e cultural e levar essa idéia até alguma empresa ou grupo sensível e interessado nesse tipo de ajuda? (- em realizar um projeto de restauração e efetivá-lo)

Se você, leitor, puder me ajudar com alguma sugestão, por favor deixe sua mensagem aqui. Idéias são bem-vindas.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

De volta prá casa...

30 de junho - quarta-feira

Vou ser breve na parte estradeira:
Não estava a fim de voltar pelo caminho arroz-feijão (BR-040 em direção a 7 Lagoas, BH, Fernão Dias até São Paulo) que daria uns 700 Km. Optei por desviar antes de 7 Lagoas da BR-040 indo por Inhaúma, Cachoeira da Prata, Pequi, Pará de Minas até Itaúna na MG-050, através de rodovias vicinais (muito legal rodar por essas vicinais, muitas curvas, paisagem agradável, passagens por túneis vegetais). MG-050: rodovia pedagiada, em condições regulares (por ser pedagiada, poderia / deveria ser muito melhor - mas é apenas razoável). De Itaúna na MG-050 a Divinópolis, Pimhui, Capitólio, Passos, com direito ao visual incrível da represa de Furnas que se pode ter da estrada. Depois de Passos, São Sebastião do Paraíso e aí ao Sul pela BR-491, ruim (buracos) até a divisa de Minas com São Paulo, antes de Mococa. Entrando em São Paulo, pavimentação excepcional e pista dupla de Mococa a Campinas pela SP-340. Chegando em Campinas, Anhanguera e depois rod. Bandeirantes, até São Paulo e depois até a porta de casa.

O que era para ser 700 Km virou 850 Km, mas valeu muito a pena. Cumpri o trecho com calma em 10 horas. E, desde a partida, chegando em casa, completara 4 mil Km rodados.

Muito bom chegar em casa e encontrar o Vítor e a Antonela. Re-encontrar a família é bom de não ter tamanho nem como (d)escrever!

A Expedição pelo Sertão valeu muito a pena. Vi muita paisagem bonita, conversei com muito sertanejo, geralense, gente simples, pobre e acolhedora. Desconfiados mas dispostos a mostrar um pouco de si mesmos após alguma conversa.

Ah, as serras, os gerais, os buritizais, as veredas, o velho Chico, a Matriz de Itacambira, o calor insuportável do Liso do Sussuarão, a D. Coló, o Seu Norberto, os amigos de Montes Claros, o seu Walduk, os carrapatos, o guia perdido de Itacambira, e tantos outros momentos, cada componente deu um gostinho especial a essa viagem. Coisas que não se compram em nenhum pacote turístico.

Fiquei triste com o desmatamento do cerrado, com o avanço dos eucalipais, com a degradação e o desaparecimento das veredas. Com a falta de cuidado com referências histórico-culturais (a dificuldade na recuperação da Matriz de Itacambira, a capelinha de Manuelzão destruída, o abandono da Igreja da Barra do Guaicuí). Com a falta de estudo de jovens que nem sabiam me dizer quem foi Guimarães Rosa, desconhecedores da sua própria riqueza.

Recomendo que leiam esse texto, de Pedro Fonseca: http://blog.controversia.com.br/2007/08/23/por-conta-do-santo-se-beija-as-pedras/

Mas, apesar dos pesares, é só procurar, que o sertão está lá! E vale muito a pena.

Evidentemente, essa viagem não tratou simplesmente de acumular lugares dados aos fatos da obra Roseana. Acontece que, para a riqueza do conteúdo da obra de Guimarães Rosa, por todos os conhecimentos filosóficos contidos na sequência de cada parágrafo, peregrinar ao sertão trouxe a oportunidade de refletir sobre tudo o que já tinha lido, e de olhar com os próprios olhos toda a beleza poética das paisagens com suas plantas, bichos e gentes que serviram de inspiração a esse escritor único.

E agora depois da viagem descobri esse texto, publicado em um artigo entitulado Dossiê Guimarães Rosa, na revista Estudos Avançados (20(58), 2006):

"O que acontece nesses lugares que atrai cada vez mais pessoas de fora? Certamente são forasteiros que têm o sertão dentro de si, que são sertanejos como Guimarães Rosa definiu para o entrevistador Günter Lorenz. É gente que tem saudades do que nunca viveu e uma sede de um mundo primordial não corrompido, onde ainda há o que fazer."

Bom, é isso. Agradeço aos garupas que me fizeram companhia que poderia ter sido uma jornada deveras solitária, dessa vez sem a presença física da Antonela, que com certeza tanto gostaria de ter vindo. Poderíamos ainda ter visitado vários outros lugares que havia elencado (Chapada Gaúcha para visitar o Parque Nacional Grande Sertão: veredas, Paredão de Minas - onde tanta coisa importante aconteceu na vida de Riobaldo e Diadorim, Alto Urucúia - lá onde tanto boi berra e onde vaca pare na tempestade, onde trovão retumba que é capaz até de fazer o senhor chorar), mas por uma série de motivos esses destinos tiveram que ficar para uma próxima etapa, ou melhor dizendo, uma próxima TRAVESSIA!

Até lá, até lá. Até lá!

"O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia." - Jagunço Riobaldo - Grande Sertão: Veredas - João Guimarães Rosa


Cordisburgo - cidade natal de Guimarães Rosa




29 de junho - terça-feira

De Três Marias a Cordisburgo um pulinho - cerca de 200 Km: 180 pela BR-040 e mais 20 da estrada que leva até a cidade (burgo) do coração (cordis).
Lá Guimarães Rosa nasceu e viveu até os 9 anos de idade incompletos. Lá seu pai era dono de uma venda, uma loja de "secos e molhados" - e lá manteve desde cedo contato com o universo sertanejo. Basta ler o seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras para se saber a importância de Cordisburgo em sua vida, e o afeto que mantinha por essa pequena cidade.
Lá pertinho (5 km, bem sinalizado) fica a gruta do Maquiné, com seus 7 grandes salões:

"E mais do que tudo, a Gruta do Maquiné - tão inesperada de grande, com seus sete salões encobertos, diversos, seus enfeites de tantas cores e tantos formatos de sonho, rebrilhando risos de luz - ali dentro a gente se esquecia numa admiração esquisita, mais forte que o juízo de cada um, com mais glória resplandecente do que uma festa, do que uma igreja" - trecho de O recado do morro - no Urubuquaquá, no Pinhém

Cedinho fui visitar a gruta. Depois do texto acima, não preciso dizer como ela é bonita. Vale a pena ser visitada. Salões enormes com grandes formações de deixar a gente boquiaberto.

Depois do almoço, de mais uma comidinha mineira básica (um feijãozinho tropeiro, um torresminho, que delícia!) - fui visitar o museu Casa de Guimarães Rosa.

Fica na casa da família, onde morou e onde o pai tinha a venda. A casa está muito bem conservada, conta com um pequeno acervo do escritor, com coisas simples como uma coleção de suas marcantes gravatas borboletas mas com peças de estimado valor, como a espada e bainha da posse na academia de letras (o fardão ele foi sepultado com ele - trata-se de uma tradição da academia - ele morreu três dias! (isso mesmo) após a posse), a máquina de escrever onde ele escreveu Grande Sertão: Veredas, uma pequena biografia da sua vida com fotos. A venda do pai, que ficava na parte da frente da casa, bem conservada, dá prá imaginar o menino Joãozito escondido embaixo do balcão escutando as histórias dos clientes, gente do sertão.

Agora, o principal patrimônio do museu eu não falei, são os meninos contadores de história do projeto Miguilim. Eles acompanham a visita ao museu, comentam sobre o acervo e depois contam histórias: para o meu grupo, um dos contadores recitou um trecho da história de Miguilim e outro contador recitou um texto do Guimarães falando da sua infância. Emocionante - e muito bom ver como os meminos conhecem e se interessam pela vida e pela obra do Guimarães Rosa. Fiquei muito feliz em testemunhar isso. Muito me entristecia ver que muitas pessoas por esses meus dias de viagem, nos diversos locais, sequer sabiam quem foi Guimarães Rosa.

Em frente ao museu, a estação de trem de Cordisburgo. Lá onde Sorôco embarcou sua filha e sua mãe para o hospício em Barbacena (de Sorôco, sua mãe, sua filha - conto de Primeiras Estórias).

Esse foi o último programa da Expedição ao Sertão. Assim como na viagem de 2007 a Ushuaia, em que cumprimos o último destino turístico em Alta Gracia, na Argentina, região serrana de Córdoba, no museu Casa del Che - museu feito na casa onde Ernesto Che Guevara passou a infância - agora termino esta expedição visitando o Museu de Guimarães Rosa. E assim como foi emocionante demais andar pelos corredores onde andou Che Guevara, no final da viagem que foi um tributo à memória e ao mito dos ideais de Che Guevara, hoje também foi especialmente emocionante conhecer o museu Casa de Guimarães Rosa e os meninos contadores de História do Projeto Miguilim - nessa expedição que foi um tributo à memória de João Guimarães Rosa e do vaqueiro Manuelzão, do mito de Riobaldo e Reinaldo, ou Diadorim, ou Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins, ao sertão que é do tamanho do mundo.

"Sertão é sem lugar. Sertão é o sozinho. Sertão é dentro da gente."

"O Sertão está em toda a parte. O Sertão é do tamanho do mundo"

"Sertão, - se diz -, o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem."

Com o coração apertado começo a despedida desses lugares pelos quais peregrinei nos últimos 10 dias, buscando referenciar meus passos na vida e na obra de Guimarães Rosa.

Amanhã tocar o pau prá São Paulo. As saudades me puxam prá lá.