terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Rumo a... Caxambu! - e fim da viagem!

E foi estrada... mais 10h, mais joguinhos, musicas, brincadeiras, caminhões...
-        Onde vamos parar mamãe?
-       Não sei filhinhos...
De repente entramos em estrada de terra outra vez. Outro rali? Mamãe, aqui parece Caxambu... Onde vamos, para alguma fazenda? Aqui tem hotel? Olha, essas vaquinhas aqui parecem com as de Caxambu... E esse laguinho! Ah mamãe, é Caxambu!!!!! Temos certeza! Olha as casinhas, iguaizinhas!! Oba, Caxambu! 
-       Quantas noites vamos dormir aqui mamãe?
-       Três noites filhinhos! Gostaram da surpresa?
-       Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!
Então agora vamos curtir nossos 3 últimos dias de férias descansando no Hotel Chalés de Minhas, que já conhecemos tão bem e gostamos como se fosse nossa casa da fazenda!
Estamos muito felizes por termos conhecido tantas coisas novas e podermos agora estar aqui, brincando e nos preparando para a volta às aulas!!

 


Última noite em Caxambu
- Mamãe, as estrelas continuam seguindo a gente, desde aquela cidadezinha do rio!
......
- Mamãe, o que será que tem dentro da lua?
- Não tem nada filho.
- Como você sabe, você nem nunca foi lá!
......
- Mamãe, será que as estrelas são as câmeras do Jesus?
- É.... Será?....

  

Rumo ao Guararavacã do Guaicuí

O dia que se seguiu depois que saímos da estrada de terra foi bem divertido! Chegamos em outra cidadezinha, mas esta tinha jeito de cidade, com carros, motos e até farol de trânsito! Nos hospedamos em uma pousada com piscina!! Uma delícia, tinha até umas araras, mas eram de madeira... que sem graça!
Aí, como já era hora de almoço, fomos a um restaurante onde eu tinha ido quando era bebê. Aí, cruzamos o Rio Francisco de novo... Por uma ponte de carros. Do lado do Miguel deu para ver outra ponte toda de ferro, parece que não passa carro lá não. O nome é ponte Marechal Hermes.
Entramos na cidade chamada Pirapora, que engraçado! E fomos no restaurante Egnaldo, nas margens do “Seu Francisco”. Minha mãe disse que eu tinha comido pirão de peixe lá. Eca! Dessa vez eu não quis não, só um peixinho a milanesa com arroz... (OBS: é o melhor pirão que eu já experimentei... )
Depois fomos para a pousada. É muito quente aqui, quente demais. Descansamos e fomos para a piscina. Aí foi tudo de bom! Brincamos até! Tinha um coelhinho e um monte de galos e galinhas na pousada...
No finalzinho da tarde fomos cruzar a pé a ponte de ferro. Tinham toras de madeira pregadas com parafusos, e um monte de parafusos soltos... As bicicletas e motos e pessoas a pé podiam atravessar, mas trens e carros já não mais. O sol estava se escondendo atrás da montanha, e fomos de Buritizeiro a Pirapora e de volta a Buritizeiro andando por cima do rio! Legal demais. Minha mão ficou admirada com uma revoada de andorinhas, e depois com a Lua, que apareceu fininha no Céu. Ela disse que nos próximos dias ela vai crescer, quero só ver se é verdade!






No outro dia tinham vários lugares a conhecer: a casa da uva, uma ruína de igreja perto da foz do Rio das Velhas, onde nasceu uma gameleira (humm, gameleira???Ruína?? O que é ruína mamãe?),  o barco a vapor Benjamin Guimarães, e o galpão dos artesãos que fazem esculturas de carrancas. Tudo isso em um só dia! Alem de comer peixinho no Egnaldo de novo, claro. O peixe de hoje foi de novo o tal surubim, dessa vez na forma de churrasco, esse estava bom demais (mas não comi o pirão não, nem meu irmãozinho...). Aliás, o Miguel fez uma videocassetada! Tomou um tombo bonito na janela do restaurante e a mamãe filmou! Demos muito risada, até ele!!


Dos passeios propostos o barco estava fechado para visita, a casa da uva é bem legal, tomamos suco de uva e sorvete de chocolate... (sabe, nem tudo era de uva lá). A árvore na ruína é muito doida! Tinha barulho de abelhas voando... E conversamos com artesãos, compramos um São Francisco para a mamãe (o santo, não o rio), e um presente para a vovó.




 


















Amanhã iremos embora. Não sabemos para onde. Mamãe disse que quer dirigir até o sol se pôr, e que então iremos parar em alguma cidadezinha. Disse que quer chegar o mais perto Possível de São Paulo, mas que com certeza em São Paulo a gente não chega amanhã... 

sábado, 13 de fevereiro de 2016

O demônio na rua, no meio do redemunho...

“Ah, que não, Chefe. Vaqueiro me disse: de lá para lá,
iam indo... Fugindo do perigo para o perigoso... E, no Paredão,
mesmo dito, já não tem mais pessoas de sede. As famílias todas,
e os moradores, camparam no pé, desgarrados, assim que o
medo chegou lá... O medo é demais de grande...”
Jagunço Trigoso - Grande Sertão: veredas - JGR

"O senhor supute: lado a lado, somando, derramavam de ser
os trezentos e tantos – reinando ao estral de ser jagunços... Teria
restado mais algum trabuco simples, nos Gerais? Não tinha. E ali
era para se confirmar coragem contra coragem, à rasga de se
destruir a toda munição."
Jagunço Riobaldo - GSV - JGR 

            E caímos na estrada outra vez… Eu e meu irmão, distarídos com nossos joguinhos no ipad e no celular da mamãe, nem víamos o tempo passar. Gostamos da estrada, ela é cheia de caminhões, carros coloridos, pontes… Mamãe olha! - Um trator! E vamos… árvores e árvores verdinhas na beira, pássaros giram no alto. Urubús?
            Nosso destino é Paredão de Minas. O que é isso? Uma cidadezinha, uma cidadela, uma vila na beira de um rio. Minha mãe parece reticente, parece que duvida que esse lugar sequer exista, ou se conseguiremos atingí-lo… O que será que tem lá? Um rio… Chama-se Rio do Sono.
            Mas no caminho paramos para conhecer o “Rio Francisco” – enorme e cheio de peixes. Minha mãe disse que cruza o Brasil inteiro! – mas não acreditei, afinal, isso aqui não é Brasil, é tão diferente da minha casa…
            De repente, saímos da estrada! Descemos uma ribanceira e chegamos a um restaurante na beira do “Rio Francisco”. Comemos um peixe, um tal de surubin. Gostoso… O nome desse restaurante é Rei do Peixe, fica na cidade de Três Marias, onde o rio é represado para gerar energia. Aprendi tanta coisa nessa viagem!...
            Depois seguimos pro tal paredão… E entramos em uma estrada de terra.  Vão ser 63km… Ai meu Deus, minha mãe disse que faremos um rali. Que o Papai do Céu nos proteja! Rali dos Sertões! Que legal!
            E foi muito legal! A estrada de terra era razoável. Nenhum acidente aconteceu, mas uma peça do nosso carro caiu e ficou fazendo um barulhão nas pedrinhas do caminho. Chegamos por fim em um lugarejo, poucas casas, poucas ruas de terra, uma de paralelepípedo. E foi nessa que procuramos por Seu Sidraque, e encontramos um senhor que ficou nos chamando de “meus netos”….             Ele era muito atencioso, cuidou de nós como se fossemos mesmo de sua família, e nos levou a uma hospedagem, da Dona Rosira, hospedagem dentro de um supermercado. Achamos o máximo! Era bem pequeno, mas estava cheio de pirulitos e balas! Ah… e tinha também uns morceguinhos voando, dona Rosira disse que não precisava temer, mas eu fugi correndo deles…
            No fim da tarde saímos para conhecer o Rio do Sono. Passamos por uma igrejinha, e fiquei sabendo que na frente dela aconteceu uma batalha! A última batalha do livro Grande Sertão: Veredas, daquele escritor que nasceu naquela cidade que passamos antes, Cordisburgo. Ah… o nome dele? João Guimarães Rosa. Ele conta que nesta batalha lutaram o Riobaldo, que era do bem, contra o Hermógenes, que era do mal.
            Dalí seguimos para o Rio do Sono, na companhia do Seu Sidraque. Já era fim do dia, mas a água estava bem quentinha. Entramos só com os pés, o chão escorregava… Mas brincamos na areia. Me sujei todo de areia, lama no rosto. Que delicia! Mas tivemos que ir embora pois estava escurecendo e as mutucas atacando nossas perninhas, mesmo com o repelente que a mamãe passou.
            Seu Sidraque queria nos apresentar para a cidade inteira. Fomos na casa dos irmãos dele e fizemos um castelinho de areia e galhos de árvores. Logo depois acabou a luz. E já estava de noite. Ainda bem que tínhamos uma lanterna para voltarmos para nossa pousada.
            Já no mercadinho da dona Rosira, enquanto a mamãe conversava com ela, achei uma aranha grandona, preta e cabeluda. Chamei a mamãe para ver, e ela ficou pálida.
-       O que foi mamãe?
-       Nada filhinho, sai daí, vamos para o quarto…
            Mamãe fechou a porta e as janelas do quarto, ficou meio quente… A luz acabou de novo e o ventilador parou. Ela estava nervosa, com medo do escuro, de aranhas e morcegos, mas nós estavamos pulando na cama e brincando com as lanternas, a gente nem queria tomar banho! Só que não teve jeito de dormir sujo de lama, fomos pra debaixo do chuveiro. E ufa! A luz voltou.  Assim pudemos dormir limpinhos e com o ventilador funcionando, todos na mesma cama, amontoados em um ninho. Foi bom, não gosto mesmo de dormir sozinho…
            O outro dia foi o dia do rio. Pudemos entrar na água de verdade. Foi uma delicia. O rio é manso e rasinho, como eu gosto. Andamos até uma ilha de areia, fizemos buracos e piscinas e meu irmaozinho se enterrou na areia.  Foi uma manhã muito divertida.
O calor aqui é forte. Mamãe não pára de passar repelente e protetor solar na gente…
Almoçamos no refeitório de uma empresa. A comida era feita pelo senhor José Geraldo. Ele conversava muito, e a comida era gostosa. A sobremesa foi o pirulito que busquei no mercadinho onde estamos morando.
De tarde, ficamos brincando por alí na rua, mamae não deixou a gente voltar para o sol. Na casinha do filho do Seu Sidraque demos bolacha para uma arara de verdade! E quantas histórias e histórias Seu Sidraque nos contou!
Gostamos da gente daquele lugar, todos queriam nos conhecer e contar histórias. De noite refresca, e como hoje não acabou a luz, a mamae ficou mais calma e dormimos bem.
Afinal chegou ao fim nossa aventura em Paredão de Minas. Quer dizer, quase ao fim, pois ainda falta voltar aqueles 63km de terra, pelo rali! Nos despedimos da gente da terra, agradecemos a hospitalidade, tiramos fotos e seguimos em frente nossa viagem. Até algum dia, Paredão. Até!!








sábado, 6 de fevereiro de 2016

Cordisburgo com crianças

Vamos? Viajar de carro para o calor, conhecer a cidade da caverna!!!! Vamos? Meus meninos toparam e foram campeões! Uma única vez nas 10h de viagem ouvi: "Mamãe, tá chegando?" Faltavam uns 200km, disse que sim! 16h chegamos em Cordisburgo, tendo saído de São Paulo 6:30h, na sexta-feira, pré-carnaval.

Aqui ficamos na pousada das flores, uma casa de interior adaptada para receber hóspedes, com muita simplicidade, mas carinho e flores. Vítor descobriu o prazer de estourar sementinhas no jardim! Coisas que tanto fiz na minha infância e que, naquele tempo, eram tão triviais.

Saímos para um passeio a pé de fim de tarde, visitamos a estação de trem. Miguel subiu na escada de uma locomotiva, todo alpinista, depois se assustou com carrapichos que grudaram em sua bermuda... Vítor brincou em um trocador de trilhos de verdade. Subiram em vagões, correram na antiga estaçãozinha, viram um trem de carga buzinando e cruzando a cidadela. Emoções da "Ilha de Sodor".



E hoje fomos à Gruta do Maquiné, à "caverna"!!! Caminhamos por seus salões e eles puderam vivenciar uma nova sensação. Tudo é tão novo, tão legal para as crianças, que tudo se torna tão legal de novo para nós, adultos. E saímos em busca dos calangos, o Vítor foi o chefe da expedição. Encontramos 4, nosso objetivo eram 5 calangos, mas não deu - teremos que voltar!! No almoço, feijão tropeiro - bom demais!





Ainda em Cordisburgo, a excitação agora é com a obra de Stamar Jr. Um escultor que fez um zoológico de pedra (na verdade, animais feitos com uma estrutura de ferro envolta em cimento, como ele próprio nos explicou). A vivência é de subir na tromba de um elefante, colocar o braço dentro da boca de um tigre dente de sabre e pasmar frente a uma preguiça ou um tatu, gigantes e pré-históricos! Depois, ainda no roteiro "obras de Stamar Jr.", fomos à casa Elefante! Sim, uma casa em forma de eletante fêmeo! Os meninos querem morar lá!!! O proprietário afirmou que, depois de pronto, poderia alugar para nós... Era só o que me faltava, morar dentro de um elefante em Cordisburgo!



O último ponto turístico, o Museu Guimarães Rosa, que eu tanto queria ver e ouvir as histórias dos contadores mirins, estava fechado... Vimos somente o Portal do Grande Sertão, na Praça Miguilim (o Miguelzinho do Guimarães), com sua escultura dos vaqueiros do sertão.

Agora, de volta à pousada, eles brincam de bombeiros! Tudo já pegou fogo ao nosso redor, e eles estão suados e vermelhos de tanto correr!! Irmão é tudo de bom. E eu não me canso de olhar....

Entretanto, esse foi só um ponto intermediário em direção a um destino maior, destino fatal. Um longe que quase ninguém sabe, ninguém viu. Um lugar onde tantas coisas terríveis aconteceram, na margem esquerda do São Francisco, em direção ao Rio Paracatu. Vamos fechar um ciclo que o Marcos não conseguiu fechar... Até lá, até lá. Até lá!

"Assim, feito no Paredão. Mas a água só é limpa é nas
cabeceiras. O mal ou o bem, estão é em quem faz; não é no
efeito que dão. O senhor ouvindo seguinte, me entende. O
Paredão existe lá. Senhor vá, senhor veja. É um arraial. Hoje
ninguém mora mais. As casas vazias. Tem até sobrado. Deu
capim no telhado da igreja, a gente escuta a qualquer entrar o
borbolo rasgado dos morcegos. Bicho que guarda muitos frios
no corpo. Boi vem do campo, se esfrega naquelas paredes.
Deitam. Malham. De noitinha, os morcegos pegam a recobrir os
bois com lencinhos pretos. Rendas pretas defunteiras. Quando se
dá um tiro, os cachorros latem, forte tempo. Em toda a parte é
desse jeito. Mas aqueles cachorros hoje são do mato, têm de
caçar seu de-comer. Cachorros que já lamberam muito sangue.
Mesmo, o espaço é tão calado, que ali passa o sussurro de meianoite
às nove horas. Escutei um barulho. Tocha de carnaúba
estava alumiando. Não tinha ninguém restado. Só vi um papagaio
manso falante, que esbagaçava com o bico algum trem. Esse, vez
em quando, para dormir ali voltava? E eu não revi Diadorim.
Aquele arraial tem um arruado só: é a rua da guerra... O demônio
na rua, no meio do redemunho... O senhor não me pergunte nada.
Coisas dessas não se perguntam bem."
Jagunço Riobaldo - Grande Sertão: veredas - João Guimarães Rosa

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sugestões de livros, artigos, imagens

Os Sertões - Euclides da Cunha

Cartografia de Canudos - José Calasans

Canudos - Cartas para o Barão - Consuelo Novais Sampaio

A guerra do fim do mundo - Mario Vargas Llossa

O peregrino e o arraial resistente - Breves notícias de Conselheiro e Canudos - Prof. Roberto Dantas

A teologia de Antônio Conselheiro -  Prof. Vicente Dobroruka - www.pej-unb.org/downloads/art_teologia_ac.pdf

António Conselheiro e Canudos - Ataliba Nogueira [obra que contém a transcrição integral do manuscrito de Antônio Conselheiro]

Expedições Militares contra Canudos - Seu aspecto marcial - General Tristão de Alencar Araripe

Sobreviventes - Filhos da Guerra de Canudos - Documentário em DVD de Paulo Fontenelle

www.portfolium.com.br - site sobre Canudos do fotógrafo e pesquisador Antônio Olavo

Cocorobó - documentário de Cyro Saadeh e Mariana Di Lello - https://www.youtube.com/watch?v=6-i42OGLVg4

Os Sermões do Conselheiro - documentário da TV Senado - http://www.youtube.com/watch?v=EI1EoUKiZb8&feature=relmfu

Deus e o diabo na terra do Sol - Glauber rocha - http://www.youtube.com/watch?v=AJpPdF0ipQA

Agradecimentos

A riqueza dessa expedição teria sido seriamente comprometida se não fosse a bondade dos sertanejos que encontrei, e que gentilmente me conduziram pelos caminhos.

Em especial ao Prof. Roberto Dantas, da Universidade Estadual da Bahia, acadêmico Canudófilo de renomado saber, e gente boníssima, que muito me ajudou com suas orientações. Sem sua atenção, teria sido impossível a abertuda de diversos caminhos.

Um desses caminhos me levou ao Seu Dedega e à sua família, que me acolheram, esse desconhecido, como amigo de longa data em Monte Santo.

Como poderei eu agradecer a pessoas tão generosas que, graciosamente, dedicaram-se a este MOTOperegrino?

Espero que se esses amigos, porventura, lerem esse diário um dia, perdoem os eventuais equívocos. Como eu disse, sei muito pouco, e por muito posso ter errado. Mas sei que poderei contar com a compreensão dos amigos.

Fraterno MOTOabraço a todos os sertanejos que contribuiram com a expedição. Desejo, do fundo do  meu coração, reencontrá-los em breve.

[apesar de muito ter conversado por e-mail e por telefone com o Prof. Roberto Dantas, aguardo o venturoso momento de conhecê-lo pessoalmente]

Considerações finais


"É característico da democracia que a regra majoritária seja entendida como eficaz, não só política, mas em idéias. Em idéias, é claro, a maioria está sempre errada. (...) A função da maioria, no que diz respeito às coisas do espírito, é tentar ouvir e abrir-se para alguém que tenha tido uma experiência para além de nutrição, proteção, procriação e riqueza." - Joseph Campbell

É com grande alegria que chego ao fim da minha narração neste blog, da narração dessa peregrinação pelo sertão da Bahia, pelo altar do sertão baiano, e pelo sertão de Canudos.

A compilação de postagens eu sei ser enorme, mas não tinha alternativa.

Precisava inserir elementos históricos que levassem ao leitor a capacidade de ter algum conhecimento dos acontecimentos. Procurei, dentro do possível, resumir os fatos históricos, pois o detalhamento da ação pode-se ter magistralmente descrito em outras obras, que citarei no mateiral de estudo recomendado em post futuro, sobretudo na obra euclidiana. E também, dentro do possível, procurei inserir textos históricos, redigidos por participantes do conflito e por membros da sociedade da época que de alguma forma tiveram contato com os acontecimentos.

Tal coletânea visa inserir a confusão e a desordem no pensamento do leitor. Visa semear a dúvida. Para que cada um possa dar margem a suas próprias conclusões, pelos seus valores, pelo seu prisma pessoal, se é que isso é possível.

Porque jamais saberemos quem foi o Conselheiro. Porque não vivemos na época. Porque não somos nós, a maioria dos brasileiros, sertanejos. Porque nem todos os sertanejos têm o sertão no coração. Porque alguns de nós procuramos o sertão tateando no escuro.

"O sertão é confusão em grande demasiado sossego..." - Seu Ornelas - Grande sertão: veredas - JGR

Entretanto, os textos aqui compilados podem, sim, nos dar algumas idéias a respeito dos pensamentos dos contemporâneos do conflito.

Do lado de lá das trincheiras, do lado conselheirista, há poucos documentos. O manuscrito do Conselheiro pode nos dar algumas pistas a respeito do seu pensamento. E a força que esse líder exercia sobre o povo também - nas palavras de Machado de Assis, em crônica à Gazeta de Notícias de 31 de janeiro de 1897: "Protesto contra a perseguição que se está fazendo contra António Conselheiro (...) De António Conselheiro ignoramos (...) Não se lhe conhecem os discursos. Diz-se que tem consigo milhares de fanáticos (...) Se na última batalha é certo haverem morrido novecentos deles e o resto não desapega de tal apóstolo, é que algum vínculo moral e fortíssimo os prende até a morte. Que vínculo é esse?"

Que pregasse contra a república, é um direito seu dentro da noção de democracia. Agora, que conspirasse contra a república, ou que constituísse elemento desestabilizador da mesma, ou que fosse fantoche de monarquistas restauradores, isso não era. Nem existe uma citação sequer de sebastianismo, de que era acusado, nas suas prédicas.

Consta que Rui Barbosa arrependeu-se de não haver impetrado habeas-corpus em favor dos canudenses. César Gama afirma "contra eles (habitantes de Canudos) não se havia instaurado processo algum. Nos cartórios do Estado nenhum deles tinha o seu nome no rol dos culpados. (...) O governo da União não se deu ao direito de inquerir coisa alguma, esquecendo até o que devia à humanidade e às luzes do século. Monstruoso atentado que a posteridade registrará como o mais negro borrão da nossa história".

Conflito que foi o maior na história do Brasil, depois da Guerra do Paraguai.

As raízes do conflito ficam, portanto, às condições assim chamadas infra-estruturais que a prof. Consuelo Sampaio comentou. À questões sociais, políticas e econômicas - que dizem respeito às bases da sociedade. Não há que se prolongar sobre isso agora. Reflita o leitor.

Reflita sobre quem foi o Conselheiro. Sobre o destino reservado a Belo Monte. Sobre o que podemos transpor, daquele momento histórico, aos nossos dias, à nossa realidade social. Sobre a importância de se preservar a memória de Belo Monte.

O próprio Euclides da Cunha não sabia o que iria encontrar. Ao ler sua obra, percebe-se o conflito vivenciado pelo correspondente de guerra-autor da assim alcunhada por ele como Obra Vingadora, conflito interno de quem se viu forçado a mudar os seus pontos de vista em função do que presenciava.

Assim, apesar do caráter fundamental da Obra Vingadora, natural que fruto de um ponto de vista euclidiano, mas que de tamanho peso e magnitude, que chegou a sufocar outros pontos de vista. Dando margem à denominação desta obra também como Gaiola de Ouro pelo professor José Calasans, maior acadêmico dedicado ao estudo de Canudos.

A amplitude dessa guerra sertaneja é inexpugnável. Minha peregrinação só fez aumentar a minha confusão. Aprendi muito na viagem, mas hoje tenho menos certezas do que tinha. Sei menos do que sabia.

E retomo à temática glauberiana em Deus e o Diabo na Terra do Sol: o crucial não é o aspecto divino ou diabólico das entidades, do Conselheiro e dos conselheiristas, mas sim, a luta do homem pela sua liberdade em meio a tão terríveis forças do meio. Porque mais fortes são os poderes do povo, como quase foram as últimas palavras do cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto - o Corisco. E o Conselheiro, foi o catalisador dessa força.

"(...) Obriga-se o zumbi a comer sem sal: o sal, perigoso, poderia despertá-lo. O sistema encontra seu paradigma na imutável sociedade das formigas. Por isso se dá mal com a história dos homens, pela frequência com que muda. E porque na história dos homens cada ato de destruição encontra sua resposta, cedo ou tarde, num ato de criação." - Eduardo Galeano - As veias abertas da América Latina - Calella, Barcelona, abril de 1978
 
Recomendo que vá o senhor também por esses longes, em busca desse sertão, que muito tem a revelar por entre as suas penumbras.

"Sertão: estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa, ainda encontra." - jagunço Riobaldo. Grande Sertão: Veredas. JGR

Prezados garupas, muito obrigado pela companhia. Espero que o piloto lhes tenha sido leve. Até um reencontro, por esses caminhos sem fim. Até lá, até lá. Até lá!