terça-feira, 29 de junho de 2010

Barra do de-Janeiro com o São Francisco




28 de junho - segunda-feira

"Se deu há tanto, faz tanto, imagine: eu devia de estar com uns quatorze anos, se. Tínhamos vindo parar aqui - circunstâncias de cinco léguas - minha mãe e eu. No porto do Rio-de-Janeiro nosso, senhor viu. (...)

Porto, lá como quem diz, porque outro nome não há. Assim sendo, verdade, que se chama, no sertão: é uma beira de barranco, com uma venda, uma casa, um curral e um paiol de depósito. (...)

O de-Janeiro, dali abaixo meia-légua, entra no São Francisco, bem reto ele vai, formam uma esquadria. (...)

Pois tinnha sido que eu acabava de sarar duma doença, e minha mãe feito promessa para eu cumprir quando ficasse bom: eu carecia de tirar esmola, até perfazer um tanto - metade para se pagar uma missa, em alguma igreja, metade para se por dentro duma cabaça bem tapada e brada, que se jogava no São Francisco, a fim de ir, Bahia abaixo, até esbarrar no Santuário do Santo Senhor Bom-Jesus da Lapa, que na beira do rio tudo pode. Ora, lugar de tirar esmola era no porto. Mãe me deu uma sacola. Eu ia, todos os dias. E esperava por lá, naquele parado, raro que alguém vinha. Mas eu gostava, queria novidade quieta para meus olhos. (...)

Terceiro ou quarto dia, que lá fui, apareceu mais gente. Dois ou três homens de fora, comprando alqueires de arroz. (...)

Depois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore, pitando cigarro. Menino mocinho, pouco menos que eu, ou devia de regular da minha idade. Ali estava, com chapéu-de-couro, de sujigola baixada, e se ria para mim. Não se mexeu. Antes, fui eu que vim para perto dele. Então ele foi me dizendo, com voz muito natural, que aquele comprador era o tio dele, e que moravam num lugar chamado Os-Porcos, meio mundo diverso, onde não tinha nascido. Aquilo ia dizendo, e era um menino bonito, claro, com a testa alta e os olhos aos grandes, verdes.

(...) e continuou explicando: - "Meu tio planta de tudo. Mas arroz este ano não plantou, porque enviuvou da morte de minha tia..." Assim parcesse que tinha vergonha, de estarem comprando aquele arroz, o senhor veja.

Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. (...) Fui recebendo em mim um desejo de que ele não fosse mais embora, mas ficasse, (...) só meu companheiro amigo desconhecido.

A ser que tinha dinheiro seu, comprou um quarto de queijo, e um pedaço de rapadura. Disse que ia passear em canoa. Não pediu licença ao tio dele. Me perguntou se eu vinha. Tudo fazia com um realce de simplicidade, tanto desmentindo pressa, que a gente só podia responder que sim. Ele me deu a mão, para me ajudar a descer o barranco.

(...) e nós escolhemos a melhor das outras (canoas) (...). Sentei lá dentro, de pinto em ovo. Ele se sentou em minha frente, estávamos virados um para o outro. Notei que a canoa se equilibrava mal, balançando no estado do rio. (...) O estado da canoa me dava um aumentante receio. (...) Eu não sabia nadar. O remador, um menino também, da lata da gente, foi remando. Bom aquilo não era, tão pouca firmeza. Resolvi ter brio. Só era bom por estar perto do menino. Nem em minha mãe eu pensava. Eu estava indo a meu esmo.

Saiba o nenhor, o de-Janeiro é de águas claras. E é rio cheio de bichos cágados. (...)

Mas, com pouco, chegávamos no do-Chico. O senhor surja: é de repentemente, aquela terrível água de largura: imensidade. Medo maior que se tem, é de vir canoando num ribeirãozinho, e dar, sem espera, no corpo dum rio grande. Até pelo mudar. A feiura com que o São Francisco puxa, se moendo todo barrento vermelho, recebe para si o de-Janeiro, quase só um rego verde só. -"Daqui vamos voltar?" - eu pedi, ansiado. O menino não me olhou - porque já tinha estado me olhando, como estava. -"Para que?" - ele simples perguntou, em descanso de paz. (...) O canoeiro (...) foi entrando no do-Chico, na beirada, para o rumo de acima. (...)

Mas sério, naquela sua formosa simpatia, deu ordem ao canoeiro, com uma palavra só, firme mas sem vexame: - "Atravessa!" O canoeiro obedeceu.

Tive medo. Sabe? Tudo isso: tive medo! Enxerguei os confins do rio, do outro lado. Longe, longa, com que prazo se ir até lá? Medo e vergonha. (...) Não pensei nada. Eu tinha o medo imediato. (...) Alto rio, fechei os olhos.(...) Quieto, composto, confronte, o menino me via. -"Carece de ter coragem..." - ele me disse. Visse que vinham minhas lágrimas? Doí de responder: -"Eu não sei nadar..." Omenino sorriu bonito. Afiançou: -"Eu também não sei.". Sereno, sereno. Eu vi o rio. Via os olhos dele, produziam uma luz. -"O que é que a gente sente, quando tem medo?" - ele indagou, mas não estava remoqueando, não pude ter raiva. -"Você nunca teve medo?" - foi o que me veio, de dizer. Ele respondeu: -"Costumo não..."

(...) Amanheci minha aurora. (...) Aí, o desejado, arribamos na outra beira, a de lá." - jagunço Riobaldo

Hoje passeei de barco pelo Rio São Francisco. Para isso, contei com os serviços do Sr. Norberto, pescador nessas bandas há mais de 50 anos. Sabe muito do rio. Contador de várias histórias, falou muito sobre o Chico nesse tempo todo em que esteve por lá.

[recomendo: para achá-lo, seguir de Três Marias sentido Brasília, e ao passar a ponte sobre o Rio São Francisco, entrar à direita, descer em direção ao rio, seguindo as placas da Pousada Canto do Rio. Na pousada, pergunte pelo Seu Norberto: ele mora colado na pousada]

Navegamos de lá até a barra do de-Janeiro. Fomos até o porto do de-Janeiro. Pude conhecer o lugar onde Riobaldo conheceu Diadorim. Pude saber mais sobre o Velho Chico. Encontro emocionante.

Depois caminhamos até a capela que o vaqueiro Manuelzão fez em homenagem à sua mãe, que falecida, enterrou alí perto, e onde todo ano celebrava a Festa de Manuelzão.

Muitas coisas mudaram no Chico. Agora, ele não é barrento (fica barrento só em época que chove mais; por conta da represa, as partículas são decantadas, e a água é clara). Assim, o que se vê hoje é o inverso do relatado no livro: o de-Janeiro turvo entrando no São Francisco claro.

Da capela do Manuelzão, sobrou nada. No lugar, outra capela construída em 1987. Só o cruzeiro está inteiro à frente. Esbarrando, a amurada de um cemitério, que fica ao lado. Perdeu-se o lugar, lamentavelmente. Podiam ter cuidado desse lugar tão importante para o Manuelzão e eternizado na obra Roseana. Só na obra, porque na real, sobrou só o cruzeiro, lamentavelmente, repito.

E se a mãe do Riobaldo não tivesse feito a promessa?
E se Riobaldo não tivesse sarado a tempo?
E se o tio de Diadorim não tivesse enviuvado?
E se Diadorim e seu tio não tivessem ido comprar arroz no porto?
E se Riobaldo não tivesse tido coragem de acompanhar Diadorim?

O acaso ou o destino dominam nossas vidas?

Como o Riobaldo disse, ali foi a sua aurora. Aqueles grandes olhos verdes mudaram sua vida. Na travessia do Rio, a metáfora da travessia da vida.

"Viver é muito perigoso" - Riobaldo repete isso várias vezes no livro. Carece de se ter coragem, carece de se ter muita coragem...

Amanhã, Cordisburgo. A cidade do coração. Até lá, até lá. Até lá!

[assistam a história acima em curta-metragem filmado por esses mesmos lugares que eu passei, de Marily da Cunha Bezerra, entitulado: Rio-de-Janeiro, Minas, no link abaixo:

domingo, 27 de junho de 2010

Exame dermatológico

Acho que vale a pena comentar.

Há alguns dias atrás tive de retirar com meu canivete alguns carrapatos que me parasitavam.

Há dois dias tomei ivermectina. Estava com sarna (não é sacanagem, é verdade). Podem ficar tranquilos, quando eu chegar em São Paulo, não precisam fugir de mim, já estarei "limpinho".

Espero não pegar mais nada...

Lassance, Morro da Garça, Andrequicé, Três Marias
















Hoje deixei Pirapora. Em direção a Guaicuí, pegar o trevo da MG-496, seguindo por Várzea da Palma, Lassance, até o entroncamento com a BR-135. Segui ao sul, tomei o desvio para visitar Morro da Garça, para voltar à BR-135 até próximo a Curvelo, onde segui pela MG-258 até Felixlândia na BR-040, seguindo pela BR até Três Marias.

Chegando a Três Marias, deixei as coisas no Hotel Hebron (bom de simples - tudo o que eu precisava), abasteci e voltei pela BR-040 em direção a Andrequicé (fica a 30 e poucos Km de Três Marias).

A MG-496 está em condições regulares de pavimentação (buracos e irregularidades que a Strom engoliu fácil). A BR-135 eu já tinha comentado, muito boa, só as duplicações das pontes com esquema Pare-Siga. MG-258 também regular, parecido com a MG-496. A BR-040 boa, com alguns desníveis acentuados no acostamento que requerem cuidado.

Os trechos para Morro da Garça e para Andrequicé bem razoáveis.

Em Lassance Carlos Chagas descreveu o ciclo de vida do T. Cruzi (da Doença de Chagas). Lá tem um museu dedicado ao pesquisador (não tive tempo de visitar). Perto de lá morava Diadorim quando adolescente:

"(...) e era um menino bonito, claro, com a testa alta e os olhos aos-grandes, verdes. Muito tempo mais tarde foi que eu soube que esse lugarim Os-Porcos existe de se ver, menos longe daqui, nos gerais de Lassance.

- "Lá é bom?" - perguntei. - "Demais..." - ele me respondeu; (...)"

Muito bonito andar pelos Gerais de Lassance novamente, aos pés da Serra do Cabral.

Depois, em Morro da Garça, ou melhor, bem antes, já se avista o Morro, lá longe. Tipo um sentinela do Sertão (parecido com o Vulcão Licancabur no Atacama). Na cidade de Morro da Garça tem a Casa Da Cultura do Sertão. Muito bem arrumado o espaço de exposição, em uma casa antiga tombada pelo patrimônio histórico. Tive a oportunidade de visitar o espaço. A cidade de Morro da Garça me pareceu pequena, bonita e acolhedora. A cuidadora do espaço demonstrou interesse em ficar papeando com esse peregrino que vos escreve, mais uma conversa enriquecedora.

"Em cada momento, espiava, de revés, para o Morro da Garça, pôsto lá, a nordeste, testemunho. Belo como uma palavra" - O Recado do Morro - No Urubuquaquá, no Pinhém - Guimarães Rosa

Curiosa e coincidentemente, o Morro da Garça fica no centro geodésico de Minas Gerais.

Em Andrequicé, pretendia visitar o Museu do Manuelzão (isso mesmo, o vaqueiro Manuelzão, de Manuelzão e Miguilim exixtiu mesmo, foi o chefe da boiada que o Guimarães Rosa acompanhou em 1952). Infelizmente, o museu estava fechado para reformas tendo em vista a Semana Festa de Manuelzão que se inicia em Andrequicé dia 4 de julho. Fica para a próxima!

[no caminho para Andrequicé extensos eucalipais da Gerdau. Dá até medo! O Manuelzão dizia que eucalipal não era bom, porque acabava com a água das veredas, e porque lá não tinha bicho. Nem cobra nem marimbondo tem em eucalipal, ele dizia]

Visitei a praia da represa de Três Marias e comi um delicioso Surubim no restaurante Rei do Peixe, que fica embaixo da ponte do Rio São Francisco, na BR-040.

Amanhã será um dia especial.

Como o destino/acaso pode mudar inexoravelmente o rumo de uma pessoa?

Como um breve contato com um desconhecido fruto do destino/acaso tem o poder de transformar a essência de um ser?

Existe o destino? Ou somente o acaso? Qual o poder do destino e do acaso?

E sendo destino ou acaso, poderia ser ação de Deus ou do Outro - o figura, o morcegão, o tunes, o cramulhão, o dêbo, o carôcho, do pé-de-pato, o mal-encarado, aquele - o-que-não-existe?

Então aguardem. Até lá, até lá. Até lá!

[quem quiser conhecer Manuelzão, recomendo que assistam:

sábado, 26 de junho de 2010

Guararavacã do Guaicuí


Aqui pertinho fica a Barra do Guaicuí. Explico: trech de terra que fica na região entre a junção do Rio das Velhas com o Rio São Francisco, na cidade de Guaicuí.


Cujo nome antigo: Guararavacã do Guaicuí.


"Guararavacã do Guaicuí: o senhor tome nota deste nome. (...) foi nesse lugar, no tempo dito, que meus destinos foram fechados. Será que tem um ponto certo, dele a gente não podendo mais voltar para trás? Travessia de minha vida. Guararavacã - o senhor veja, o senho escreva. As grandes coisas antes de acontecerem. Agora, o mundo quer ficar sem sertão.

(...) Aquele lugar, o ar. Primeiro, fiquei sabendo que gostava de Diadorim - de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade." - Jagunço Riobaldo


Bem aqui Riobaldo declara seu amor por Diadorim.


Encontramos na Barra do Guaicuí as ruínas da Igreja de pedra de Bom Jesus dos Matozinhos - construída por escravos entre 1650 e 1679. Foi abandonada no século XVIII por conta da malária que rondava a região (fato citado pelo próprio Guimarães em sua obra) - e o mais belo fruto desse abandono é que, justamente no lugar do altar mor, cresceu uma enorme gameleira por sobre a Igreja. Muito bonito!
Fernão Dias morreu de uma febre, provavelmente de malária, próximo a esse lugar, Rio das Velhas na Barra do Guaicuí (segurando nas mãos as turmalinas que ele pensava fossem esmeraldas, segundo a lenda). Diz a história que o seu corpo foi enterrado próximo a essa própria igreja.
O senhor veja, o senhor escreva: Guararavacã do Guaicuí!


Agora, amanhã, em direção a Três Marias, com direito a passar por Lassance e Morro da Garça. Até lá, até lá. Até lá!

Pirapora - novamente, às margens do Velho Chico












25 de junho - sexta-feira


Estamos em Pirapora.

À margem direita do Rio São Francisco.

Tem a Ponte Marechal Hermes (sinistra, vocês já saberão o porquê), inaugurada em 1922, que fazia ligação férrea entre Pirapora e Buritizeiro (cidades face-a-face, em lados opostos do Velho Chico). Tem uma extensão de 694 metros. Lá não passam mais trens, apenas pessoas, bicicletas e motos. No vão central os trilhos estão desativados (por lá passavam automóveis anteriormente, devia ser algo tenebroso dirigir 694 metros sobre tábuas longitudinais ao lado dos trilhos sobre os dormentes suspensos - muita gente deve ter se dado mal... - manja quando você vai colocar o carro na valeta para trocar o óleo, e o frentista fica orientando: mais prá lá, mais prá cá? - é a mesma coisa, só que o frentista não está lá e a troca de óleo será feita 694 metros adiante...).

Ao lado do vão central, lateralmente à estrutura metálica de sustentação principal, trafegam pessoas, biciletas e motos, através de um corredor lateral estreito com tábuas assentadas à lá ponte pênsil. Sinistro, tem mais bizarria adiante...

Os carros tem que fazer a volta pela BR-365; fica bem maior a distância. Por isso a Ponte Marechal Hermes é muito utilizada pelos moradores dessas duas cidades.

Estou hospedado no Hotel Canoeiros. Hotel metido a besta. Quer ter o ar de resort, centro de convenções. Tudo empáfia, inclusive dos funcionários. Na sua pretensão, fica a desejar com uma estrutura decadente, tem o péssimo na pretensão de ser o melhor sem o bom do que é simples e agradável. Mas uma coisa de bom tem: meu quarto fica de frente para a Ponte Marechal Hermes e de onde tenho uma vista muito bonita do Velho Chico.

Nessa região o rio é largo, com um fundo cheio de pedras, que dão um ar de "corredeira" a este trecho, com águas claras. Fica o borburinho do rio o tempo todo. Rio de paz, de ficar olhando. Muito bonito! E pelo rio as pessoas ficam se banhando, tem um local em que foi feita uma prainha.

Aqui fica aportado o Vapor Benjamim Guimarães. Foi fabricado em 1913, navegou no Mississipi, depois em rios da bacia amazônica e agora navega no velho Chico. Muito interessante a estrutura de um valho vapor (veja a foto).

Hoje almocei em um belo restaurante à beira-rio, iscas de surubim, uma delícia, olhando o correr das águas do rio. Depois acertar algumas coisas na moto, limpar e lubrificar a corrente, ajeitar as mangueiras dos respiros que sairam de lugar no trecho do liso. A corrente tava um nojo. Agora a vermelhinha tá pronta para o seguir da viagem.

E depois saí para tirar fotos da cidade. Fui de moto até a ponte Marechal Hermes. Ela vai lá longe... decidi atravessar até Buritizeiro. Andar com a moto naquelas tábuas irregulares e meio soltas, com o rio por baixo dá uma impressão péssima. Estava na passarela à minha direita da ponte. Tudo legal, é estreito mas não vem moto no sentido contrário, certo? ERRADO !!!!!!!!!!!! Aí é que eu me dei conta que do outro lado não passam as motos em sentido contrário, mas sim é reservado a pedestres e ciclistas. Ferrou, lá vem uma moto em sentido contrário. Pensei que a gente fosse entalar ou que eu ia cair no rio. Milimetricamente e com o ânus na mão, cruzei com diversas motos na travessia, e aquelas malditas tábuas soltas balançando com o andar da moto. Por burrice acabei fazendo essa travessia três vezes no total. Espero nunca mais...

Do meu quarto no hotel eu fico escutando a noite toda as motos cruzando, o chacoalhar das tábuas faz um barulho que até parece uma locomotiva. Sinistro...

O por do sol na tal da ponte é algo espetacular!

E hoje à noite teve festa junina em Buritizeiro. Vou de moto e deixo ela estacionada na Muvuca? Vou de moto pela BR à noite, sem proteção adequada? Vou pela ponte maldita sinistra à noite? Pego um moto táxi (sim, aqui tem moto táxi) - de jeito nenhum, a caminhada é longa, vou à pé mesmo!

Bom, atravessei a ponte, agora pel lado dos pedestres, às 9:30 na ida e perto da meia-noite na volta da festa junina. Sinistro ao quadrado. A Antonela ia ter adorado fazer esse trecho comigo. Vi que estavam marcadas com um X as tábuas trincadas, soltas ou em mal estado. Isso só no começo do trecho, como quase todas as tábuas ganhavem um X, acho que o ator da ação desistiu de marcar os 694 metros... E ver o rio passando por baixo entre o vão das malditas tábuas... Sinistro, chega de falar dessa ponte. Mas que olhando ela é bonita e imponente, isso é!

A festa junina tava a maior animação, tava um mundo de gente lá. Fiquei escutando o concurso de causos caipiras, comi milho verde, pastel, fiquei sacando o povo daqui se divertindo. Bom, foi isso.

Amanhã temos um encontro em um lugar muito especial para o Riobaldo. Até lá, até lá. Até lá!

O Liso do Sussuarão









"(...) E Ana Duzuza me disse, vendendo forte segredo, que Medeiro Vaz ia experimentar passar de banda a banda o liso do Sussuarão. (...) Loucura duma? Para que? Eu nem não acreditei. Eu sabia que estávamos entortando para a Serra das Araras - revinhar aquelas corujeiras nos bravios de ali além, aonde tudo quanto era bandido em folga se escondia - lá se podia por azo de combinar mais outros razoáveis companheiros. Depois, de arte: que o Liso do Sussuarão não concedia passagem a gente viva, era o raso pior havente, era um escampo dos infernos. Se é, se? Ah, existe, meu! Eh... (...) Também onde se forma calor de morte (...) A gente ali rói rampa... (...)
Nada, nada vezes, e o demo: esse, Liso do Sussuarão, é o mais longe - prá lá, prá lá, nos ermos. Se emenda com si mesmo. Água, não tem. Crer que quando se entesta com aquilo o mundo se acaba: carece de se dar volta, sempre. Um é que dali não avança, espia só o começo, só. "

"(...) o Liso do Sussuarão concebia silêncio, e produzia uma maldade - feito pessoa!" Jagunço Riobaldo

Hoje o destino é ao norte de Montes Claros. Bem acima da Barra do Guaicuí, pelas bandas da Serra das Araras. Prá´s bandas de lá do Velho Chico. Região vazia entre o São Francisco e ao sul do Rio Cariranha, da cidade de Cariranha, confins da Bahia.

Vamos atravessar o Liso do Sussuarão. Para chegar a Chapada Gaúcha (tem esse nome porque o governo de Minas incentivou a imigração de gaúchos para essa região para o plantio de soja). Lá é o ponto de partida para se conhecer o Parque Nacional Grande Sertão: Veredas.

De Montes Claros ao norte por 80 Km até Mirabela (BR 135, agora para o norte): rodovia em excelentes condições. Depois, sair em direção a Brasília de Minas e Luislândia, para se chegar à cidade de São Francisco, às margens do Velho Chico. Mais 85 Km em estradas muito boas.

Nesse trecho cruzei o Rio Paracatu - rio que o Zé Bebelo desceu com seus 5 catrumanos do Alto Urucúia, em uma balsa de buriti, para ir liderar o grupo do recém falecido Medeiro Vaz.
E perto da cidade de São Francisco se deu o cerco a Zé Bebelo e seus homens, incluindo nessa conta Riobaldo e Diadorim, na fazenda dos Tucanos, onde permaneceram vários dias sob o fogo cerrado de Hermógenes, Ricardão e seus cabras.

Cruzar o Velho Chico de balsa foi emocionante. Aqui as pessoas são diferentes. São mineiros e baianos, são geralenses. Mas um povo com cara mais sofridos, lembrando mesmo os catrumanos dos gerais. Dá uma certa agonia em estar aqui.

Na margem do rio, ribeirinhos tomando banho, pelados, mulheres lavando roupas. O rio em baixa, assoreado, bancões de areia no trajeto de porto a porto. A balsa precisa fazer um zigue-zague para chegar ao outro lado sem encalhar. R$ 2,00 para moto, o cruce. Na balsa, carros, moto (a minha...), caminhões. A balsa é empulsionada por um rebocador, o piloto tem que ser muito bom para levar toda aquela massa gigantesca e a sua inércia até o outro lado sem esbarrar em nada e sem ficar presa ao tocar o fundo do rio.

Chegamos ao outro lado. Por mais 15 km, até o trevo para Pintópolis, asfalto derradeiro, boas condições. Agora, começa a terra, por mais 110 Km até Chapada Gaúcha, passando no caminho pela Serra das Araras.

Geograficamente, essa é a região do Liso do Sussuarão. Na real, presença de serrado. Comecei a sentir o que o Riobaldo havia descrito...

Calor do demo. Nada, nada, nada, nada a não ser o sol infinito, a estrada e o cerrado em volta. Nenhum rio, nem riacho, parece mesmo que a água fugiu daqui. Começa a travessia do Liso!

Aos poucos, os areiões vão aumentando. Trechos com cascalho solto misturado a areia, ruim demais para andar. A areia parece um talco, traiçoeira... (claro, havia murchado os pneus no início da travessia).

Chegou um trecho em que só conseguia andar em primeira marcha. A esperança de que aquilo pudesse melhorar foi embora. Já havia rodado 51 Km a um desgaste imenso. No trajeto, dei uma forçada no joelho numa rabeada da moto. Na hora, não senti nada, mas depois fui percebendo que o joelho esquerdo estava dolorido. Não conseguima mais pilotar em pé nas pedaleiras por conta da dor no joelho. Era lá pela 1h da tarde, o sol castigando forte, eu todo paramentado parecendo um astronauta naquele Liso, um calor medonho, cansaço, sede.

Tomei o que tenho plena certeza ter sido a decisão certa: virei o pé e voltei.

Para manobrar a moto e colocar a testa pro rabo e o rabo prá testa foi um trabalho desgranhado. E a volta foi muito pior que a ida...

Vamos poupar maiores detalhes do sofrimento, os garupas podem imaginar a pedreira enfrentada. Refiz o caminho de volta até Pirapora. Foram cerca de 650 Km, do quais 102 Km de terra no Liso. Devo dizer que foi o trecho mais cansativo que fiz em toda a minha vida (palavra de Iron Butt - muuuito pior que o Saddlesore ou que o trecho na nevasca lá na cordilheira peruana).

Assim, fomos vencidos pelo Liso do Sussuarão. Mas estamos bem e vivos.

[nada que considerasse improvável, a priori. Evidentemente, o que aconteceu era uma possibilidade real. Detalhe, antes de me enfiar lá, havia perguntado a 3 pessoas da cidade de Chapada Gaúcha, e as 3 foram unânimes em afirmar que a estrada estava ótima e que não tinha areião.
Tá certo, não tinha areiãô: a estrada ERA um areião.
Coisas do Liso.
Nunca dá pra saber o que as pessoas querem dizer quamdo dizem se um trecho sem pavimentação está assim ou assado]

Me lembrei das sábias palavras do Ron Ayres: "You never know how bad things can get, when the pavement ends!"

Agora seguimos de Pirapora, somente em trechos on-road. Até lá, até lá! Até lá!

De Itacambira a Montes Claros







Quarta-feira, dia 23 de junho

Hoje foi voltar para Montes Claros.

Rodovia e Eucaliptos
Pela MG-038. Saindo da cidade, já vem a subida da serra, até o mirante, com uma plataforma onde vemos a cidade e as serras do entorno, muito legal. Subida de calçamento (vide fotos).
Depois vem 20 Km de terra. Depois 20 km de asfalto. Depois 20 km de terra. E depois 40 Km de asfalto até Montes Claros. O trecho, conforme já havia dito, está em pavimentação.
Depois do trecho inicial de 20 Km de terra, ao encontrar asfalto, achava que estava com sorte (será que é asfalto até Montes Claros?) - ainda não. Esse trecho de asfalto fica na serra onde há muitos Eucalipais. Cada Eucalipal gigante! [dê uma olhada nessa região no Google Earth - nas imagens de satélite os eucalipais são os trechos homogêneos de verde mais escuro). Dá medo de ver o tamanho dos eucalipais.
A plantação de Eucaliptos crece muito pela demanda de carvão vegetal para a siderurgia mineira, principalmente. Vai também para celulose e para madeira para cercas e postes. Em outro momento no blog vou comentar do impacto disso na ecologia local...
Mas esse trecho é muito bonito por entre a serra. Muito bonito, tirando a condição da estrada, a paisagem dá gosto de ver.
E com relação à condição da estrada: existe algo pior que uma estrada de terra em más condições: uma estrada de terra em más condições sendo asfaltada! Porque aí eles começam a fazer desvios, desníveis, invariavelmente mal-feitos, de areia mole ou brita solta, inclinados para a lateral ou com valas enormes ao lado, em meia pista (vem um caminhão na outra mão você se f****), com rampas de acesso aos desvios medonhas, olha, ruim demais.
Fiz com os pneus ainda com a pressão reduzida. Apesar dos pesares, sem susto. Amigo, muuuito cuidado com trechos em pavimentação... (a chance de estar ruim é enorme).
Saindo de Itacambira, passa por Pau D´Óleo e depois Juramento (lembra, onde Fernão Dias enforcou o próprio filho?). A partir daí é só asfalto até Montes Claros. Em breve (final do ano?) todo esse trecho deve estar asfaltado.

Em Montes Claros
Encontrei com o Pablo e com o Marcus Vinícius novamente. Fazia tempo que eu não ria tanto com as histórias dos dois.
Depois, ainda tive o grande prazer de conhecer os pais do Pablo e do Rodrigo, meu antigo colega da Mecatrônica: batemos um bom papo na casa deles. Muitas lembranças da época em que estudei na Poli.

Amanhã, garupas, um destino sinistro nos espera. Seguiremos no rastro de um momento (na verdade, de dois momentos pela mesma região) críticos e sofridos (física e psiquicamente) na vida de Riobaldo e Diadorim. Aguardem e preparem-se para o pior...

Mais de Itacambira





A cidade tem uma população urbana de cerca de 2 mil pessoas, e se distribui ao entorno da Matriz, com uma rua principal e mais duas paralelas. Lugar bem simples. Lá não consegui conexão com internet (exceto por um "roubo" rápido em um computador da prefeitura). Lá meu celular não tinha sinal.


Hospedagem
Fiquei na Pensão da D. Maria Luiza (vide foto). Nem precisa dizer o quanto é simples, né? Mas o pessoal é muito hospitaleiro. A casa é antiga, com fogão a lenha e água aquecida por serpentina para tomar banho (banheiro comum para os hóspedes, familiares, gato, cachorro, papagaio...).
Cheguei lá na 2a feira dia 21 de junho no começo da tarde. Foi tempo de trocar de roupa, lavar o rosto e comer arroz, feijão, carne seca na panela com cebola, beterraba, cenoura e pequi. Comida simples e muito boa - fogão a lenha, uma delícia.
Fica bem atrás da Matriz.
Opção de pouso com banheiro privativo, esquece.
Fiquei lá 2,5 dias hospedado, comendo todas as refeições por lá mesmo: gastei 50,00 reais no total.

Entorno da cidade
Tem as serras: do gigante (parece um gigante deitado, bem ao longe), a serra das Esmeraldas / Resplandecente, a serra de Itacambira. Paz total ficar sentado, apreciando a paisagem, céu azul azul azul. E no entardecer ver as estrelas aparecendo.

Natureza
A região tem um grande potencial turístico. O secretário de turismo e cultura (o primeiro secretário, antes dele não havia tal secretaria na prefeitura) está trabalhando para organizar o setor. Em breve o asfalto chegará a Itacambira, e a cidade pretende ter uma melhor estrutura para receber os turistas.
Lá visitei a cachoeira do Curiango (vide foto - muuuuito legal, água geladíssima e cor de coca-cola - não é sujeira não: a água é limpa, tem essa cor por conta de resíduos minerais e vegetais). Deu para nadar bastante na piscina ao pé da cachoeira, funda que só! Chegar lá foi o problema: o guia (?!?!?!?) se perdeu na ida e na volta, foi um dia inteiro para fazer um passeio que era para durar ums 3 horas. Mas confesso, deu para ver muita coisa legal da flora e da fauna nos perdidos que demos. Várias cabeceiras de vereda, de onde mina a água que vai dar origem à água que cai da cachoeira. Voltei a Itacambira todo estropiado...
Visitei o Encantado (um rio com piscinas para nadar) - não tem esse nome à toa. A barragem do Rio Itacambiraçu e a Lapa do Bugre, onde encontramos pinturas rupestres. (para esses lugares fui acompanhado do próprio secretário de turismo, Sr. Toni).
Poderia ter visitado muitos outros lugares, mas o tempo corre, não dava para passar mais dias por lá.

Falta estrutura com guias bem treinados e "estabelecidos" na função, bem como meio de deslocamento para os lugares (alguns dá para ir à pé da cidade, mas a maioria fica a distâncias consideráveis, e a condição das estradas de terra sempre é um problema). Entretanto, para quem quiser visitar, nada que não se contorne entrando-se em contato com a Secretaria de Turismo da prefeitura (http://www.itacambira.mg.gov.br/). Vale a pena olhar o site da ONG Itacambira Verde, fala muitas coisas sobre a cidade e suas belezas naturais (http://www.itacambiraverde.com.br/).



sexta-feira, 25 de junho de 2010

Mais fotos de Itacambira











Demais fotos comentadas na entrada anterior.

Entrando no Rastro De Diadorim












"Aonde fui, a um lugar, nos Gerais de Lassance, Os-Porcos. Assim lá estivemos. A todos eu perguntei, em toda porta bati; triste pouco foi o que me resultaram. O que pensei encontrar: alguma velha, ou um velho, que da história soubessem - dela lembrados quando ainda tinha sido menina - e então a razão rastraz de muitas coisas haviam de poder me expor, muito mundo. Isso não achamos. Rumamos daí então para bem longe reato: Juramento, o Peixe-Crú, Terra-Branca e Capela, a Capelinha-do-Chumbo. Só um letreiro achei. Esse papel, que eu trouxe, batistério. Da matriz de Itacambira, onde tem tantos mortos enterrados. Lá ela foi levada à pia. Lá registrada, assim. Em um 11 de setembro da éra de 1800 e tantos... O senhor lê. De Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins - que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e para muito amar, sem gozo de amor... Reze o senhor por essa minha alma. O senhor acha que a vida é tristonha?" - Jagunço Riobaldo - Grande Sertão: Veredas

21 de junho: Grão Mogol a Itacambira

Agora entro no rastro de Diadorim. Depois de sua morte, Riobaldo descobre que ela é mulher, e sai à busca do seu rastro, e a única coisa que encontra é o seu batistério, com seu nome de Batismo.

E cá estou eu, na Matriz de Itacambira...


A Estrada

De Grão Mogol a Itacambira pelo trecho na Serra, você segue via asfalto até Cristália (fica a 15 Km de Grão Mogol, seguindo pelo mesmo asfalto tapete-mesa-de-sinuca que eu comentei). Depois, amizade, é só estrada de chão.

Segue em direção até Botumirin e depois a Itacambira.

Condições razoáveis de pilotagem: o fato de ter murchado os pneus (de uso misto - traseiro um Metzeler Tourance normal - para mim o melhor e o dianteiro um Bridgestone TW - o pior do mundo (ainda bem que pararam de fabricar - pior que esse só o BW) - reduzi a pressão dos dois em 30%), e a alteração que fiz na suspensão dianteira (coloquei molas progressivas da Wirth-Federn e troquei o óleo das bengalas por um Motul sintético 10W) deixaram uma excelente segurança para pilotagem na terra. Fiquei surpreso com o comportamento da suspensão. Com isso deu para administrar bem o trecho de 110 Km de terra com ZERO sustos. Nenhuma saída dianteira, bem tranquilo.

Trecho com alguns poucos areiões, principalmente de terra batida e partes com cascalho (tipo um rípio fino compactado) - que deu para tirar de letra (vejam bem, eu não me considero um piloto off road - se eu consegui você aí leitor também consegue!).

Até Botumurim (cerca de 30 Km) a estrada não deixa dúvidas (é só seguir o tramo principal). Depois de Botumurim, você pega a saída para o povoado de Canta Galo, segue por 26 Km, aí tem uma ponte molhada (quando você ver, não vai ter dúvida do que é uma ponte molhada), uma casinha à esquerda, com umas mangueiras, um Mata Burro e uma bifurcação. Pega à direita e toca o pau por mais uns 40 Km (à esquerda vai para o povoado de Canta Galo). Pronto, chegou a Itacambira!

O problema é que depos de Botumirim a estrada tem várias bifurcações duvidosas, e o GPS, amigo, esquece (o mapa do projeto Tracksource tá completamente errado: por causa disso dei uma varada logo no início, tive de voltar e depois passei a ignorar solenemente as indicações do GPS - vou mandar o meu tracklog para os desenvolvedores do Tracksource). Aí é ir perguntando pelo caminho... O duro é que não tem alma viva por aqui. Dei sorte que tinha uma caminhonete indo para o povoado acima que eu esqueci o nome, aí eu tocava o pau na frente, e quando tinha dúvida parava e esperava a caminhonete para perguntar...

Depois da bifurcação a estrada volta a ficar fácil de saber o caminho. Você anda praticamente reto por um chapadão até chegar perto de Itacambira, fica moleza...

Pelo caminho, vários rios para cruzar (alguns com pontes, outros sem, como o da foto, com aquele areião no rebaixo da vereda). Muito legal um pouco de emoção na pilotagem!


A paisagem

Espetacular. Cerradão denso, com veredas e seus buritizais. Sensação de desolamento total, de se estar no sertão mesmo, devido às poucas pessoas que tem por lá:


"Lugar sertão se divulga: é onde se pode torar dez, quinze léguas sem topar com casa de morador, e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade" - Jagunço Riobaldo


Pois é, foi exatamente assim. Muito bom rodar por lugares distantes e intocados. Os eucalipais, muito grandes e constantes no trecho da BR até Grão Mogol, não chegaram por aqui para secar as veredas... (ainda não)

E em todos esses dias, là pelas 1 da tarde a lua já está lá visível no lugar dela.



Itacambira


A cidade foi fruto de um assentamento criado por Fernão Dias Pais Leme, o caçador de esmeraldas, antes de 1700. Itacambira quer dizer: pedra pontuda que sai do mato fechado (fica encrustada na Serra Geral). A Matriz data de 1707 (isso mesmo!): trata-se de um inestimável valor histórico. Seu altar é todo de madeira em um estilo neo-barroco / rococó (as obras de arte da Matriz passaram por um processo de restauramento recente, mas por incrível que pareça, a estrutura da Igreja não, lamentavelmente).

Tive acesso à Igreja, graças à intermediação do secretário de turismo e cultura, Sr. Toni, muito gentil em minha estada por Itacambira. A Igreja mesmo só abre para a celebração da missa aos domingos, no resto dos dias permanece fechada.

Lá tem a pia onde foi batizada Diadorim (vide foto).

Lá tem muitos mortos enterrados (embaixo da nave foram catalogados mais de 300 esqueletos, incluindo algumas múmias que foram transferidas para estudo à Fiocruz) (vide foto).

Uma grande emoção estar nesse lugar tão importante na história de Diadorim e para o nosso patrimônio histórico e cultural. Que as autoridades rapidamente restaurem por completo essa antiga Matriz!


E agora, a notícia bombástica!


Tirei a foto do batistério de Diadorim! (vide foto)

...


O Sr. Toni me falou que o batistério estava lá, em um dos livros de registro da Matriz. Me colocou em contato com a secretária paroquial, Sra Kelly, que me mostrou os livros, mas não sabia em qual estava o tal batistério.

Assim sendo, chamou D. Coló, moradora antiga, dona do cartório da cidade, que me falou que na verdade, já virou e revirou os registros de batistérios de 1800 e tantos, e nunca encontrou o de Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins.

Ou seja, expectativa frustrada.

Eu achava mesmo estranho esse batistério estar lá.

Se ele estivesse, ou Guimarães Rosa teria narrado uma história real de uma pessoa real (improvável), ou teria de utilizado do nome de uma pessoa real para emprestar a Diadorim (ou seja, ususparia o nome de uma pessoa já falecida - também improvável).

Mas se a história é real mesmo, então o batistério não está na Matriz, e sim com o Riobaldo, ou melhor, agora, com um de seus descendentes ou perdido além da Matriz de Itacambira.

E D. Coló aproveitou para me levar à sua casa, e me contou várias histórias do local. Ela é uma grande batalhadora pelo restauro da Matriz. Me falou das diversas cartas que enviou às autoridades, e das respostas que recebeu, fazendo testemunho da importância da igreja. Do que já foi feito, sem dúvida, devemos muito a D. Coló!

E ela também adora Guimarães. E me falou que os lugres acima citados realmente existem próximos a Itacambira. Juramento eu sabia (passei por lá indo de Itacambira a Montes Claros na volta) - inclusive tem esse nome por conta de um juramento, o que Fernão Dias fez, de matar o seu filho por ester tê-lo traído: em Juramento Fernão Dias enforcou seu próprio filho, conta a história.

E também me falou que nos batistérios que pesquisou, viu que na região existiam as famílias Bettancourt e Marins à época!

Que eu saiba Guimarães Rosa nunca esteve em Itacambira. O livro foi publicado 2 anos após ele ter acompanhado a famosa tropa de bois liderada pelo vaqueiro Manuelzão, de Andrequicé, que não passou tão ao norte - chequei todo o roteiro realizado e todas as fazendas onde fizeram pouso. Impressionante o poder do livro: fiel a detalhes que podem passar desapercebidos para muitos leitores, mas quando temos a oportunidade de checar in loco e com atenção o que está escrito, vejam quanta riqueza por traz dos detalhes. Nada está escrito lá a troco de ser insignificante.

Ele sabia bem do local e de seus arredores, sabia que lá havia uma pia, que lá havia muitos mortos enterrados e das famílias que por lá moravam à época. Todas referências reais em apenas um parágrafo. Mais uma prova da genialidade de Guimarães Rosa, que tive a oportunidade de verificar!

Muito agradável a conversa. Terminamos tomando um copo de vinho feito pela D. Coló. Ela abriu a garrafa que estourou como um espumante sacudido, depois ficou saindo uma fumaça tipo Chernobyl e depois o vinho transbordou sobre a mesa...

Espero que ela se anime a colocar no papel as histórias que me contou e imagino que muitas outras demais que sabe. Para que o conhecimento dos sertanejos continue vivo através do testemunho de pessoas como a D. Coló.

Só por isso que eu narrei, a viagem está paga!
[todas as fotos não couberam nessa entrada - as demais estão no tópico seguinte]








Notícias a partir de Grão Mogol


Prezados garupas, por motivo de inacessibilidade à internet, agora posto o que deveria ter postado antes...


Dia 20 de junho - Grão Mogol (depois que fiz a última postagem)

Soaram os sinos da Igreja de Grão Mogol. Decidi assistir à missa. Cheguei lá mais de 1 hora antes do início.

Por dentro a pequena igreja de pedra é maravilhosa. Não se sabe ao certo quando foi construída, mas estima-se que tenha mais de 200 anos. Passou por um processo de restauração há 2 anos, realmente, muito bonita.

O bom de ter chegado cedo foi a oportunidade de ficar conversando com pessoas da comunidade. Seu Walduk conversou amigavelmente comigo, e me passou várias dicas do caminho que farei amanhã, por estradas de terra aqui da Serra. E contou várias histórias do local, desde o tempo dos escravos e dos Barões.

Conheci também outro senhor que é filho do antigo padre de Grão Mogol (isso mesmo). Melhor dizendo, um dos ONZE filhos do padre. Pela conversa, isso não gerou nenhum constrangimento na comunidade (me lembrou a história da Maria Mutema e do Padre Ponte contada pelo Jõe Bexiguento em Grande Sertão - Veredas).

Depois a celebração da missa.

Amanhã o dia será duro. Aguardem a próxima postagem...

quarta-feira, 23 de junho de 2010

SMS

Estou em Itacambira. Aguardem notícias bombásticas sobre Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins.

domingo, 20 de junho de 2010

Grão Mogol

Ontem tive a honra de conhecer (pessoalmente) o Pablo, sua namorada, o Marcus Vinicius e sua namorada, com os quais jantei. Muito boa a conversa que tivemos! Meus sinceros agradecimentos à recepção que tive! Muito obrigado, amigos!


Agora, cheguei a Grão Mogol: e hoje não tem foto de novo! (o computador não permite...) - e a conexão é uma tosqueira só! Amanhã escreverei um pouco mais - agora é só para noticiar aos amigos minha chegada a Grão Mogol.


A estrada: BR-251 (Montes Claros direção BR116 - Salinas - Bahia): primeiros 30 km uma porcaria (buracos, facões na pista - aqueles calombos no sentido do rolamento ocasionados pela tração dos pneus dos caminhões -, irregularidades, aquele asfalto brilhante derrapante e caminhão atrás de caminhão). Depois, ela está reformada, fica boa até o entroncamento com a estrada para Grão Mogol que está ASFALTADA (nos guias e no GPS constava que era de terra) com um asfalto que dá vontade de descer da moto e beijar, daquele lisinho como mesa de sinuca e bem aderente. A paisagem é espetacular...


A cidade: histórica. Muito antiga (bem antes de 1800 - na época da busca de ouro e pedras preciosas). As pessoas acham que a Estrada Real começa em Diamantina, mas na verdade ela começa aqui em Grão Mogol. Pavimentação e muitas edificações de pedra (tipo uma São Tomé das Letras). Hotel por R$ 25,00 (imagina o naipe). Cidade bem pequena (sem sinal de celular: meu sonho de consumo!) - muita tranquilidade. Clima serrano (Serra Geral). Houve um tempo em que Montes Claros era distrito de Grão Mogol. Hoje na cidade de Grão Mogol moram cerca de 6 mil pessoas, e em Montes Claros são 400 mil...



O livro (Grande Sertão: Veredas): perto de Grão Mogol Riobaldo desiste de acompanhar Zé Belelo, antes de re-encontrar Diadorim e de se avassalar a Joca Ramiro. Para Grão Mogol Riobaldo, Diadorim, Alaripe e a turma de Titão Passos rumam para se juntar à jagunçagem para dar prazo à vingança da morte de Joca Ramiro. Em Grão Mogol nasceu Freitas Macho, jagunço amigo de Riobaldo.


O almoço: Feijão tropeiro e Skol. Uêba!!!!!!


O Céu: azul eterno nessas épocas pelo sertão. Chuva, só no fim-do-mundo!


Saudades da Antonela e do Vítor!


Aguardem - mais notícias em breve!


"O que o medo é: um produzido dentro da gente, um depositado; e que às vezes se mexe, sacoleja, a gente pensa que é por causas: por isso ou por aquilo, coisas que só estão é fornecendo espelho. A vida é para esse sarro de medo se destruir; jagunço sabe. Outros contam de outra maneira." - jagunço Riobaldo



sábado, 19 de junho de 2010

Hoje não tem foto!

19 de junho - sabadão - Primeiro dia da Expedição

Cá estou eu no Nobre Palace Hotel (apesar do nome, tem 1/4 de estrela) em Montes Claros.

Rodei 1040 Km. Não bati nenhuma foto. Parei só para abastecer e, no decorrer do dia, só comi umas castanhas. Resultado: percurso completado com total tranquilidade em 12h.

IMPRESSÕES...

... DAS ESTRADAS: A Fernão Dias todo mundo já sabe (está muito boa para rodar, o problema são aquelas pinturas malditas que quando chove o motociclista vai para o chão - aos poucos estão recapeando e elas estão desaparecendo, mas ainda tem algumas como "armadilha" - em que pese que peguei zero de chuva).
Depois. a BR-040: o trecho inicial depois de BH, uns 20 Km tá uma porcaria, depois melhora (a rodovia está em obras de duplicação).
E depois, a BR 135: está muito boa! Apenas algum embaço em pontos em que estão alargando as pontes, aí fica naquele esquema siga e pare, com uma das mãos rodando por vez e a outra parada, isso comprometeu bem o rendimento final. Mas está muuuito melhor do que eu esperava.

... DOS MINEIROS (dirigindo): até Deus duvida do que os mineiros conseguem fazer no volante. Legítimos barbeiros.

... DO CLIMA: virei picolé de manhã. Minha mão parou de doer às 9h da manhã (saí de casa às 5 da matina) e eu descongelei por completo às 10h. Por sorte, eu tenho uma mega super luva de inverno, pena que ela ficou no guarda roupa em casa.

... DO QUE A ANTONELA IA GOSTAR: das paisagens dos Gerais, das encostas das serras, do cerrado

... DO QUE ELA NÃO IA GOSTAR: de não comer o dia todo, do calor senegalês que fez à tarde, do naipe do Hotel onde estou agora

PONTOS ALTOS:
Avistar o Morro da Garça ("tão bonito quanto uma palavra") - esse local merecerá maior destaque futuramente, voltarei a ele!
Chegar nos Gerais e andar de moto nos Gerais de Lassance (onde Diadorim morava - Os Porcos)
Estar são e salvo aqui em Montes Claros!

Estou esperando o Pablo, irmão do Rodrigo Martuscelli, grande colega meu da Poli, que é daqui de Montes Claros. Comer um troço e trocar umas idéias.

E amanhã tentarei seguir uma trilha que pode me levar diretamente ao rastro de Diadorim, em momento primordial de sua vida. Até lá, até lá! Até lá!

[ia esquecendo: Cleber, fiz o seu caminho para pegar a Fernão via Rodoanel - Caieiras - Mairiporã. Bem legal por aí!Conste que não precisa mais desviar da Fernão por Mairiporã em virtude do problema com o viaduto: agora o fluxo é desviado por um trecho de mão dupla na pista sentido BH-SãoPaulo.]

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago e a véspera...

Hoje perdemos José Saramago - não há como deixar de citá-lo, como reverência ao seu legado. Impossível não admirá-lo: ateu, comunista, contestador feroz daquilo tudo que a sociedade faz para reduzir o nosso valor como humanos.

"Nossa única defesa contra a morte é o amor" - José Saramago

Agora estou nos preparativos finais da viagem. Amanhã parto para Montes Claros.
Até lá, até lá. Até lá!

domingo, 13 de junho de 2010

PLAY


Próximo sábado, dia 19 de junho, saio de São Paulo para seguir as trilhas dele (João Guimarães Rosa) pelo Sertão e pelas Veredas. Quem quiser acompanhar na minha garupa, vamos descobrir juntos nesse Blog aonde essa trilha nos leva. Até lá, até lá. Até lá!

"Não fosse meu despoder, por azías e reumatismo, aí eu ia. Eu guiava o senhor até tudo.
Lhe mostrar os altos claros das Almas: rio despenca de lá, um afã, espuma próspero, gruge; cada cachoeira, só tombos. O cio da tigre preta na Serra do Tatú - já ouviu o senhor gargaragem de onça? A garôa rebrilhante da dos-Confins, madrugada quando o céu embranquece - neblim que chamam de xererém. Quem me ensinou a apreciar essas belezas sem dono foi Diadorim...(...) Por esses longes todos eu passei, com pessoa minha ao meu lado, a gente se querendo bem. O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de idéia e saudade de coração..."
- Jagunço Riobaldo - Grande Sertão: Veredas

"Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso..."- Jagunço Riobaldo - Grande Sertão: Veredas