segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O medo - é assim?


Fear - Raymond Carver

Fear of seeing a police car pull into the drive.
Fear of falling asleep at night.
Fear of not falling asleep.
Fear of the past rising up.
Fear of the present taking flight.
Fear of the telephone that rings in the dead of night.
Fear of electrical storms.
Fear of the cleaning woman who has a spot on her cheek!
Fear of dogs I've been told won't bite.
Fear of anxiety!
Fear of having to identify the body of a dead friend.
Fear of running out of money.
Fear of having too much, though people will not believe this.
Fear of psychological profiles.
Fear of being late and fear of arriving before anyone else.
Fear of my children's handwriting on envelopes.
Fear they'll die before I do, and I'll feel guilty.
Fear of having to live with my mother in her old age, and mine.
Fear of confusion.
Fear this day will end on an unhappy note.
Fear of waking up to find you gone.
Fear of not loving and fear of not loving enough.
Fear that what I love will prove lethal to those I love.
Fear of death.
Fear of living too long.
Fear of death.

I've said that.

A tradução desse e-mail você encontra no blog do Allan Sieber 
no post de 16 de novembro de 2010 - aliás, foi lá que eu tive 
contato com essa poesia e fiquei de postá-la aqui. 
Já sentiu algo parecido com isso?

Nesse blog tenho comentado frequentemente a respeito do medo. 
Existe, é humano, é presente o tempo todo em nossas vidas e 
muitas vezes sem sequer nos darmos conta tomamos decisões 
importantes (ou deixamos de tomá-las) por causa dele. 
Retomando algo citado anteriormente:


" (...) o pior inimigo está nos nossos corações, não fora dele!
Jean Vanier

Para dizer que o medo faz parte da nossa existência mas que, se 
permitirmos, ele pode fortalecer deveras o inimigo que existe 
dentro de nós:

"É o medo o mais ignorante, o mais injusto e o mais cruel 
dos conselheiros." - Edmund Burke

ou, simplificando, como disse o diplomata brasileiro falecido no 
Iraque Sérgio Vieira de Mello:

"O medo é um péssimo conselheiro"  

Vale a pena refletir um pouco sobre isso, não acha?http://talktohimselfshow.zip.net/

Medo e MOTOciclismo e alpinismo



O alpinismo é muito um retrato da essência humana, do desafio da busca do desafio, da atração pelo risco e lidar com o medo.
[Monica Schmiedt - diretora do filme/documentário Extremo Sul]

Imagino que com o alpinismo isso deva ser levado a um ponto mais intenso/extremo, mas para mim, o mesmo cabe para o MOTOclismo de aventura. Parafraseando a Monica:

O MOTOciclismo de aventura é muito um retrato da essência humana, do desafio da busca do desafio, da atração pelo risco e lidar com o medo.

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 5)


Observe o contraste do clima psicológico da equipe Extremo Sul com o da equipe (isso é mostrado no DVD) que atingiu o cume em 1995. Abaixo a transcrição das falas na filmagem realizada por um dos alpinistas:

Steve:
Acho que estamos prontos para começar esta escalada....
Pena que não tem muita visibilidade.. Mas poderia ser bem pior. E para  padrões patagônicos está bem razoável.
[início da tentativa de cume, ao amanhecer do dia]

Tim:
 Agora o medo da alvorada passou. e foi substituído pelo entusiasmo de um dia lindo e uma boa escalada. Valeu a pena cada instante de medo.
(...)
Que sensação de conquista vir aqui em cima!
(...)
Escalar é uma atividade engraçada: num momento, você fica morrendo de medo e , no outro, você se sente no topo do mundo! E todo aquele medo parece ter valido a pena.
(...)
Nós achavamos que não íamos conseguir. Parecia que não ia dar. O clima não estava cooperando. O Jim torceu o pé e o Charlie deslocou o ombro. Parecia que estávamos sem sorte.É sempre uma dura sensação chegar ao topo de uma montanha! - e isso tem a ver com a descida. A descida é sempre uma hora nervosa para mim.
(...)
É uma sensação incrível chegar perto do cume de uma montanha. Dá a maior vontade de chegar lá em cima. (....) Estou prestes a escalar o tramo final até o cume. (...)
Que bom que chegou a hora, porque achamos que não íamos conseguir. Mas pelo menos tivemos o bônus de chegar ao cume oeste (do Sarmiento).
Agora olhe isso! Que vista! Bom trabalho! Parabéns!
[cumprimentos mútuos entre os três membros da equipe ao atingir o cume]

Cume oeste do Monte Sarmiento - 1995
Stephen Venables
Tim Macartney
John Roskelley

Um aspecto interessante que pode ser percebido acima é o da efemeridade do medo. Eu já pude sentir isso várias vezes: momentos em que o medo incomoda, a pilotagem fica difícil, a MOTO não deita na curva, e dali a algum tempo, tudo passa, sem que as condições de pilotagem tenham sido alteradas substancialmente. Trata-se de um fenômeno muito interessante. Ou seja: está com medo? Calma, ele VAI passar! Evite o desgaste exponencial e cumulativo que a sensação do medo causa quando não temos esse aspecto bem claro (que ele passível de diluição com o tempo por natureza).

Vale a pena deixar claro que tudo o que eu comentei não entra no mérito técnico dos alpinistas: a questão não é quanto que a equipe bem-sucedida estava melhor tecnicamente que a equipe Extremo Sul e por isso atingiu o cume e sim o que propiciou, ou melhor, qual o conjunto de atitudes que levou uma melhor condição psicológica para se TENTAR o cume.

Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo!” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 4)

Barreta (o alpinista que queria subir o Cume)

[na base estabelecida na montanha para servir de partida rumo ao cume]
E nessa noite, eu tava conivente com toda a situação - de que não iríamos para cima - por mais que eu fosse contra. E ninguém teve a reação, ou o ímpeto, ou a coragem de ir.
Acordei no dia seguinte, com o tempo excelente. Mas não fizemos a nossa tentativa para escalar o Monte Sarmiento.

[em outro dia:]
O Sarmiento, tá ali, ó: o tempo está perfeito para uma boa tentativa de escalada: não tem uma nuvem no céu e não tem vento. Mas o acampamento dos alpinistas está vazio. Talvez esse seja o maior desperdício que eu já vi!

[e em mais um dia de tempo bom (em uma sequência de 4 dias consecutivos – coisa rara no local do Monte):]
Eu não sei que horas são. [lá fora o Sarmiento em um dia lindo, aberto] A expedição não terminou, mas o fracasso dela com relação ao objetivo alpinístico, é fato!

Por que eu venho aqui? Porque eu quero escalar a montanha. Não venho porque eu trago responsabilidade, ou porque o aspecto jurídico, ou porque... não!
[rebatendo diversos argumentos criados na equipe de que seria irresponsabilidade tentar subir ao cume]

Aonde é que eu tenho que assinar que eu quero escalar a montanha porque eu gosto de fazer isso? Posso?
[inconformado com a posição predominante da equipe de alpinistas – de que seria inadequado ou irresponsabilidade ou suicídio tentar o cume]

O cara quando fica com medo o queixo cai. Ele olha pro lado e fala ihhhhhh, vai faltar (... ) não vai dar porque tá faltando (...) corda (...) papel higiênico (...)  Aí começa a faltar tudo, não vai dar certo,  aí falta chiclete sabor hortelã...
[comentando sua impressão de que a negativa de se tentar o cume não vinha dos argumentos apresentados, nem de motivo real, e que o medo dominou os colegas é gerou uma séria de desculpas esfarrapadas]

Se eu tenho medo? Tenho! Eu não tenho medo de escalar essa montanha! Eu não tenho medo de escalar ela porque eu sei dos meus limites e eu sei dos perigos!

O Barreta manifestou claramente em diversos momentos sua insatisfação pela decisão dos alpinistas de não se tentar o cume. Aqui vale a pena citar a dificuldade em se manter o foco no objetivo - no caso, a tentativa do cume - dentro de uma proposta audaciosa e com uma equipe tão grande (entre alpinistas da expedição e de apoio devia de haver mais de dez). Quanto maior a equipe mais fácil a fragmentação de objetivos e a proliferação do medo:

Alguém estiver com medo, por exemplo, próximo, o medo dele quer logo passar para o senhor; mas, se o senhor firme aguentar de não temer, de jeito nenhum, a coragem sua redobra e tresdobra, que até espanta.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Creio que foi isso o que aconteceu: a somatória de um objetivo audacioso, uma equipe grande, sem a devida convivência prévia para que uns conhecessem bem aos outros em situações limite, dessa fragilidade dos laços entre os alpinistas a proliferação da dúvida, do receio, do medo que culminou com o abandono do objetivo sem nem mesmo ter realizado a tentativa do cume.

Por isso que eu acho mais fácil se comprir um objetivo mais audacioso SOLO (se a situação permitir, o que não era o caso) ou com uma equipe pequena (no caso de viagens de MOTO, duas ou três MOTOS): é muito difícil você ter o nível de estrosamento necessário em equipes maiores. E isso tem um custo elevado em atividades que exigem elevado desempenho do grupo por períodos prolongados, e o resultado é que muitas vezes o fruto da aventura acaba sendo não o êxito de objetivos, e sim a discórdia entre os membros do grupo.

O senso geral indica que mais é mais e melhor, mas a verdade é que muitas vezes, em atividades cíticas, MENOS é mais e melhor, em situações onde todo o excesso pode ser castigado.

E o Barreta pagou um preço alto por deixar bem claro seu ponto de vista: acabou isolado do resto do grupo. Assistam ao DVD...

Observem na última citação do Barreta o aparente paradoxo, onde ele assume e nega o medo sequencialmente. Paradoxo que aparentemente se resolve com a afirmação de que ele conhece os seus próprios limites. Esse é um ponto crucial, acredito: em uma aventura, por mais adversa que seja a situação, o que causa problemas ou acidentes na maioria das vezes acaba nem sendo a adversidade em si, mas a extrapolação de limites que, se bem conhecidos, poderiam ser respeitados evitando a situação específica de exposição a riscos de maneira inapropriada:

" (...) the worst enemy is inside our own hearts not outside!" - Jean Vanier
[o pior inimigo está nos nossos corações, não fora dele!]

O pior não é a montanha, nem os ventos, nem as baixas temperaturas, nem o risco de avalanches, mas sim a capacidade do alpinista em conhecer os seus próprios limites. Isso vale também para o MOTOaventureiro e para qualquer pessoa, eu acho.

"O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito, desfaz-se - basta a simples reflexão." - Machado de Assis

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 3)

Eduardo Lópes (alpinista argentino)

Creio que o grupo está preparado para uma escalada assim, mas ... [segue uma longa enumeração de diversas desculpas esfarradadas]

O tempo bom se foi, e não creio que o Sarmiento nos dê outro dia bom... [na verdade a equipe foi agraciada com vários dias de tempo aberto, o que é muito raro nessa região]


Eu sempre sabia: um dia, o medo consegue subir, faz oco no ânimo do mais valente qualquer...” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa


Nativo (alpinista curitibano)

Para carregar uma pessoa em uma maca daqui até lá embaixo precisa no mínimo de 12 pessoas ... [mais uma justificativa para não subir]

Eu fico um pouco apreensivo com isso [com o tempo bom que vinha fazendo] porque sei que a qualquer momento isso pode mudar. [se o tempo está ruim não dá (para tentar o cume) porque está ruim, e se está bom também não dá?]



Medo agarra a gente é pelo enraizado.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa


Alpinista argentino da equipe de apoio:

Quando chegamos aqui  começamos a nos dar conta do tamanho desta  montanha. Depois de 3 minutos, quando esse colosso apareceu, pude ver que era uma loucura.

A montanha agora se nublou...
[após a primeira janela de tempo bom, e também de momentos tensos de discussão e conflito na equipe]

Não estamos a altura desta montanha. Nenhum de nós. É suicídio.

Julio Contreras – médico e alpinista chileno

Eu penso em subi-lo. Mas não agora!
Em outra expedição, talvez...

Essa montanha está absolutamente fora de minha capacidade como escalador!
[em um momento posterior à afirmação inicial]

Observem nos comentários acima a enxurradas de desculpas, que surgem em um momento de assimilação de um "medo primordial" que desencadeou o clima de desacreditação geral na capacidade da expedição em atingir ou tentar atingir o seu objetivo.

Sylvestre - diretor de fotografia

Eu tô convencido que, com a aparição da montanha, todo mundo ficou abalado, mas muito abalado, e ninguém sabe se explicar...


Acho que eu não tinha conciso medo dos perigos: o que eu descosturava era medo de errar — de ir cair na boca dos perigos por minha culpa. Hoje, sei: medo meditado — foi isto. Medo de errar. Sempre tive. Medo de errar é que é a minha paciência. Mal. O senhor fia? Pudesse tirar de si esse medo-de-errar, a gente estava salva. (...) Um ainda não é um: quando ainda faz parte com todos.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 2)


Walter Rossini (alpinista argentino membro da expedição)

Pra mim é um problema de consciência, humano, algo assim...
[justificando porque decidiu não tentar o cume]

Creio que o Sarmiento pode tentar nos falar, mas neste momento ainda não me adaptei bem para poder escutá-lo.
[ao ser indagado sobre a possibilidade de tentar o cume em um dia lindo, em que o monte clamasse: Venha Walter, Venha! - com um “sorriso”, “pedindo” para ser escalado]

Não se morre por não chegar ao cume...

O Walter parecia ser o melhor alpinista física e tecnicamente falando. Aparentemente considerou inadequado subir ao cume dentro da estrutura do projeto, que incluía, além do objetivo "alpinístico", o cinematográfico. Talvez tenha se sentido incomodado com a visão do Monte e com o fato de ter os seus passos documentados no filme. Isso deve ter feito uma grande diferença: se envolver em uma atividade de risco e poder ter seu fracasso devidamente registrado.

Mas imagino que o peso do objetivo cinematográfico tenha sido um fator não crítico: provavelmente, se a equipe tivesse permanecido coesa, motivada e com a moral elevada, teriam tentado (que fique bem claro: tentar!) o cume mesmo arrastando uma âncora e dez operadores de câmera lá para cima.

O estado de espírito que conduziu o Walter a desistir do cume fica expresso quando declara que ele ainda não se adaptou para poder escutá-lo (ao Monte).

Com relação à última transcrição da fala do Walter: ao se realizar uma atividade de risco, você precisa estar preparado para abrir mão do seu objetivo. Isso é algo que parece óbvio mas imagino que muitos já se lançaram em algum tipo de aventura sem ter isso claro para si mesmos.

Tentar o objetivo sem levar em conta as circunstâncias reais do momento presente em que se iniciará a ação propriamente dita (no caso, a tentativa de cume a partir do acampamento) para mim é sinal de falta de maturidade e de inteligência.

Lemas como “nunca retroceder”, “sempre avante” e por aí vai não podem ser levados a sério pelo aventureiro que tem experiência, consciência e visão crítica do que está fazendo.

Ninguém é obrigado a nada. Perdeu a vontade, a moral baixou inesperadamente, está se borrando de medo ao ver a montanha, seus pés não querem se mover para lá?  Não acordou bem-humorado? Não sente que está com a energia boa no momento? Se deu conta que não quer ir justamente só naquele momento? Enfie o rabinho no meio das pernas e volte para casa. Se o medo dominou você, tudo bem, isso é humano.  Agora partir para uma escalada de risco sem o domínio e a consciência necessários das próprias emoções é um grande erro. Se algo vier a dar errado, o que não pode acontecer é depois vir a se lamentar com afirmações do tipo "eu não estava a fim" ou "eu sabia que ia dar errado".

Para mim, as declarações do Walter são indícios de que ele já atingiu a maturidade como aventureiro / esportista.

Pena ver que o grupo não teve a consciência do que estava contecendo, o que deu margem a uma série de desencontros e discussões. Mas fato é que em uma expedição com tantos membros, torna-se muito difícil não se deixar envolver pelo turbilhão das emoções e das vontades (ou da falta de vontade). Mas tudo isso serviu para rechear o clima do documentário com as emoções humanas durante a aventura.

Medo que maneia. Em esquina que me veio. Bananeira dá em vento de todo lado. Homem? É coisa que treme. (...) Tem diversas invenções de medo, eu sei, o senhor sabe. Pior de todas é essa: que tonteia primeiro, depois esvazia. Medo que já principia com um grande cansaço. Em minhas fontes, cocei o aviso de que um suor meu se esfriava. Medo do que pode haver sempre e ainda não há. O senhor me entende: costas do mundo.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 1)



O que o medo é: um produzido dentro da gente, um depositado; e que às horas se mexe, sacoleja, a gente pensa que é por causas: por isto ou por aquilo, coisas que só estão é fornecendo espelho. A vida é para esse sarro de medo se destruir; jagunço sabe. Outros contam de outra maneira.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Esses dias passou na TV cultura o documentário Extremo Sul. Assisti pela metade, acabei comprando o DVD (aliás, muito legal, caixa ilustrada com fotos e com um DVD de extras - recomendo! – comprei pelo site da livraria cultura).

Trata-se de um filme realizado para documentar uma expedição de alpinistas em 2003 com o objetivo de atingir o cume do Monte Sarmiento, localizado na porção chilena da Terra do Fogo. Local inóspito, dominado pelo mal tempo em uma região de encontro dos ventos do Pacífico e do Atlântico, com muito frio, e o Monte Sarmiento dominando a paisagem de maneira isolada (seu cume fica a cerca de 2,3 mil metros acima do nível do mar e a 1700 metros acima dos topos dos montes ao seu entorno). Nas palavras do alpinista Barreta, que fez parte da expedição, um lugar mágico, misto de montanha com cogumelos de gelo.

Para alguns, uma escalada tão ou mais difícil que a do Everest.  Poucas equipes conseguiram chegar lá.

O titulo me atraiu por 2 motivos: pela presença das magníficas paisagens da patagônia mais austral, com seus glaciares, região que eu e a Antonela já visitamos de MOTO na primeira edição da Expedição Cone Sul. De fato, as imagens do DVD são de tirar o fôlego. Foi uma bela recordação dessas paragens austrais.

O segundo motivo diz respeito à identificação que vejo entre alpinistas e MOTOciclistas de Endurance ou de aventura:

Ambos se submetem a uma atividade de risco. Ambos são assombrados, continuamente, pelo medo. Ambos são fascinados pelos seus objetivos, seja o cume de uma montanha isolada ou um lugar remoto que represente um objetivo de peregrinação em sua MOTO.

Ao assistir o filme, impressionante a identificação que tive com o clima psicológico dos alpinistas no decorrer da aventura. Acho que é um bom material para discorrer um pouco sobre como o medo atua na vida dos alpinistas, MOTOciclistas, e em verdade, na vida de qualquer ser humano.

Adianto que a equipe não atingiu o cume. E o que era para ser um filme a sobre uma aventura radical, acabou sendo um documentário sobre a reação humana à aventura, à percepção do risco e ao medo.

Nas próximas entradas do blog transcrevo algumas declarações encontradas nesse documentário para dar amparo a alguns comentários que farei a respeito do medo e da aventura.

sábado, 6 de novembro de 2010

O Passeio


Na entrada anterior do blog comentei do livro "A Arte de Pilotar o Medo" do Álvaro Larangeira.

Terminada a leitura do livro, fui para a net procurar um exemplar do livro anterior do Álvaro, chamado "O Passeio".

Felizmente encontrei um exemplar à disposição em um sebo virtual. Comprei. Li. Minhas impressões sobre o livro:

Narra uma viagem de um grupo de motociclistas de Porto Alegre a um encontro em Foz do Iguaçu. Nada de mais: percurso com menos de 3 mil Km. Por isso poderia dizer que o Álvaro é um boiola em escrever um livro sobre uma viagem tão "normal". Felizmente não posso dizer isso, porque para eu alcançar os méritos atingidos pelo Álvaro em duas rodas eu ainda tenho que tomar muito Toddynho...

Mas através de uma viagem "normal", "simples", ele consegue agregar valor a algo atingível à maioria das pessoas. Ou melhor: mostra que podemos agregar valor ao que fazemos em nossas vidas. Sem essa de escrever livro de viagem para Ushuaia, Alaska, ao redor do mundo; não importa o que você se dispõe a fazer: se faz com paixão e analisa o valor de cada sentimento e movimento, já está com a vida salva e com material para escrever um belo livro, capaz de encantar as pessoas.

Porque buscar valor somente no que parece inatingível? E a relatividade das coisas, dos objetivos? Para muitos, viajar de moto para Ushuaia é impensável, e para muitos é arroz-feijão. Nem uma coisa nem outra. Depende de cada um. E não há problema algum em julgar um passeio como esses uma grande aventura. É isso que o Álvaro mostra.

Se o livro não tivesse sido escrito pelo Álvaro, eu desconfiaria. Provavelmente nem o leria. Puro preconceito. Admito.

Recomendo a leitura, aproveitem o passeio. Alguns trechos interessantes:


"Um passeio de motocicleta é como uma vida: tem início, fim e meio. O meio é a maior parte, é a mais significante, é o que importa, é com ele que devemos nos preocupar. O início não está totalmente em nossas mãos, mas podemos influenciar. O fim depende do meio, e pode ser esperado, isto é, previsto ou não. O meio, este sim é que importa, então é com ele que devems nos preocupar. Com as paradas no meio da estrada, com quem encontramos nessa caminhada, como agimos e reagimos a esses encontros e desencontros.

(...) Em um passeio nem sempre tudo é maravilhoso, nem sempre tudo dá certo. Devemos estar preparados para enfrentar qualquer situação. Devedmos estar sempre preparados para aceitar o que não podemos mudar e agir quando pudermos fazer alguma diferença.

(...) George Santayana já dizia: There is no cure for birth or death just enjoy the interval (traduzindo: “Como não tem cura para nascimento ou para a morte, então aproveite o intervalo”).

Aproveite a sua vida, como se fosse um passeio, como se o objetivo fosse conhecer, aprender, crescer e passear... passear e viver, viver e passear."


E um outro trecho:

"A maioria (das pessoas) vive em função de um passado que não volta mais e e de um futuro que ainda não chegou."

Dia desses eu estava trabalhando e recebi um telefonema do Beto Marshall. Me pedindo o telefone do delegado Sezefredo Lopes de Bagé. Passei o número para ele, conversa curta, achei que o Beto queria ir combinar um churrasco daqueles que o Lopes sabe fazer. Lamentavelmente o motivo era muito muito outro: o Álvaro, que era bageense, havia falecido.

O Álvaro eu não cheguei a conhecer pessoalmente, só através dos livros mesmo. Parabéns a ele e meus agradecimentos pela sua mensagem.

"A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho. (...) Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia." - jagunço Riobaldo - Grande sertão: veredas

É isso aí, Álvaro, é isso mesmo, Riobaldo: o real não está na saída e nem na chegada. Se dispõe para a gente é no meio da travessia.