segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sobre o Medo: analisando a Expedição Extremo Sul (parte 4)

Barreta (o alpinista que queria subir o Cume)

[na base estabelecida na montanha para servir de partida rumo ao cume]
E nessa noite, eu tava conivente com toda a situação - de que não iríamos para cima - por mais que eu fosse contra. E ninguém teve a reação, ou o ímpeto, ou a coragem de ir.
Acordei no dia seguinte, com o tempo excelente. Mas não fizemos a nossa tentativa para escalar o Monte Sarmiento.

[em outro dia:]
O Sarmiento, tá ali, ó: o tempo está perfeito para uma boa tentativa de escalada: não tem uma nuvem no céu e não tem vento. Mas o acampamento dos alpinistas está vazio. Talvez esse seja o maior desperdício que eu já vi!

[e em mais um dia de tempo bom (em uma sequência de 4 dias consecutivos – coisa rara no local do Monte):]
Eu não sei que horas são. [lá fora o Sarmiento em um dia lindo, aberto] A expedição não terminou, mas o fracasso dela com relação ao objetivo alpinístico, é fato!

Por que eu venho aqui? Porque eu quero escalar a montanha. Não venho porque eu trago responsabilidade, ou porque o aspecto jurídico, ou porque... não!
[rebatendo diversos argumentos criados na equipe de que seria irresponsabilidade tentar subir ao cume]

Aonde é que eu tenho que assinar que eu quero escalar a montanha porque eu gosto de fazer isso? Posso?
[inconformado com a posição predominante da equipe de alpinistas – de que seria inadequado ou irresponsabilidade ou suicídio tentar o cume]

O cara quando fica com medo o queixo cai. Ele olha pro lado e fala ihhhhhh, vai faltar (... ) não vai dar porque tá faltando (...) corda (...) papel higiênico (...)  Aí começa a faltar tudo, não vai dar certo,  aí falta chiclete sabor hortelã...
[comentando sua impressão de que a negativa de se tentar o cume não vinha dos argumentos apresentados, nem de motivo real, e que o medo dominou os colegas é gerou uma séria de desculpas esfarrapadas]

Se eu tenho medo? Tenho! Eu não tenho medo de escalar essa montanha! Eu não tenho medo de escalar ela porque eu sei dos meus limites e eu sei dos perigos!

O Barreta manifestou claramente em diversos momentos sua insatisfação pela decisão dos alpinistas de não se tentar o cume. Aqui vale a pena citar a dificuldade em se manter o foco no objetivo - no caso, a tentativa do cume - dentro de uma proposta audaciosa e com uma equipe tão grande (entre alpinistas da expedição e de apoio devia de haver mais de dez). Quanto maior a equipe mais fácil a fragmentação de objetivos e a proliferação do medo:

Alguém estiver com medo, por exemplo, próximo, o medo dele quer logo passar para o senhor; mas, se o senhor firme aguentar de não temer, de jeito nenhum, a coragem sua redobra e tresdobra, que até espanta.” – Jagunço Riobaldo – Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa

Creio que foi isso o que aconteceu: a somatória de um objetivo audacioso, uma equipe grande, sem a devida convivência prévia para que uns conhecessem bem aos outros em situações limite, dessa fragilidade dos laços entre os alpinistas a proliferação da dúvida, do receio, do medo que culminou com o abandono do objetivo sem nem mesmo ter realizado a tentativa do cume.

Por isso que eu acho mais fácil se comprir um objetivo mais audacioso SOLO (se a situação permitir, o que não era o caso) ou com uma equipe pequena (no caso de viagens de MOTO, duas ou três MOTOS): é muito difícil você ter o nível de estrosamento necessário em equipes maiores. E isso tem um custo elevado em atividades que exigem elevado desempenho do grupo por períodos prolongados, e o resultado é que muitas vezes o fruto da aventura acaba sendo não o êxito de objetivos, e sim a discórdia entre os membros do grupo.

O senso geral indica que mais é mais e melhor, mas a verdade é que muitas vezes, em atividades cíticas, MENOS é mais e melhor, em situações onde todo o excesso pode ser castigado.

E o Barreta pagou um preço alto por deixar bem claro seu ponto de vista: acabou isolado do resto do grupo. Assistam ao DVD...

Observem na última citação do Barreta o aparente paradoxo, onde ele assume e nega o medo sequencialmente. Paradoxo que aparentemente se resolve com a afirmação de que ele conhece os seus próprios limites. Esse é um ponto crucial, acredito: em uma aventura, por mais adversa que seja a situação, o que causa problemas ou acidentes na maioria das vezes acaba nem sendo a adversidade em si, mas a extrapolação de limites que, se bem conhecidos, poderiam ser respeitados evitando a situação específica de exposição a riscos de maneira inapropriada:

" (...) the worst enemy is inside our own hearts not outside!" - Jean Vanier
[o pior inimigo está nos nossos corações, não fora dele!]

O pior não é a montanha, nem os ventos, nem as baixas temperaturas, nem o risco de avalanches, mas sim a capacidade do alpinista em conhecer os seus próprios limites. Isso vale também para o MOTOaventureiro e para qualquer pessoa, eu acho.

"O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito, desfaz-se - basta a simples reflexão." - Machado de Assis

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