Canudos foi destruído duas vezes. A primeira, pelo fogo das forças
legais em operação no sertão baiano. A segunda, pelas águas...
Leia abaixo excerto do estudo chamado A construção do medo da Prof. Consuelo Novais Sampaio, a respeito da Guerra de Canudos:
Cinco
décadas depois [do conflito], resolveu-se construir o açude de
Cocorobó, inundando de água o "solo sagrado". Em julho de 1954, o Diário de Notícias
anunciou que "o progresso chegou à vilazinha de Canudos, de maneira
inesperada, arrasando com todas as tradições e com todas as glórias". O
repórter encontrou uma sobrevivente, Francisca Guilhermina Santos, que
na época da guerra estava com quinze anos. Perguntou-lhe o que achava da
transformação da vila em açude. Em resposta, a velha pegou um punhado
de terra e, devagarzinho, deixando que ela escorresse por entre os
dedos, falou: "Parece incrível que toda esta terra seja coberta pelas
águas; elas foram testemunhas da bravura dos nossos pais, e guarda com
carinho o sangue de muitos parentes e amigos nossos. Mas que há de se
fazer?".
Quatro anos após, o jornalista Paulo Dantas
visitou as obras da barragem em construção e comentou com o engenheiro
(cearense, como Antônio Conselheiro) a oposição que estava havendo à
construção do açude naquele local, considerado histórico. O engenheiro
respondeu, registrando-se o seguinte diálogo:
"- Isto é conversa de poetas. O que esta região precisa é de água.
-
Mas doutor, e a tradição, o feito heróico de nossa gente, a brava gente
que combateu duros combates? Não existia outro lugar para o açude?
- Tudo já foi projetado. Trarei para Cocorobó o cruzeiro, o monumento do canhão, já tenho lugar para colocá-los...
- Um cearense de pulso drena o passado, inundando Canudos. O Conselheiro construiu, o senhor irá destruir.
- O moço verá que de Canudos só resta o lugar. Lá será a grande bacia do açude."
Com
sabedoria, LeGoff disse que quem manipula o poder, manipula o
esquecimento. Pesquisas ainda são necessárias. Mas não deixa de ser
curioso que a construção do açude de Cocorobó tenha ocorrido na vigência
da "guerra fria", da "caça às bruxas", e que o afogamento da Canudos
renascida tenha tido lugar no ano de 1969, auge da repressão do regime
militar. No entanto, o mito continua vivo. Canudos não foi esquecido.
Enquanto perdurarem as condições infra-estruturais que impedem o acesso
do sertanejo à terra e estabelecem distâncias inconcebíveis entre os que
têm demais e os que nada têm, o homem do sertão estará pronto a seguir
aquele que lhe aponte o caminho da esperança e da redenção final.
[assista ao documentário sobre o açude: https://www.youtube.com/watch?v=6-i42OGLVg4]
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