quinta-feira, 19 de julho de 2012

O Conselheiro

[painel com imagem do Conselheiro - Parque Estadual de Canudos]

Nasce Antônio Vicente Mendes Maciel na vila de Quixeramobim, província do Ceará, em 1828.

Lutas de sua família com outra eram fatos do passado, não atingiram sequer o seu pai, comerciante remediado e honrado, proprietário de algumas casas, na vila.

Coloca-o o pai na escola do professor Manuel Antônio Ferreira Nobre. Estuda aí português, francês e latim.

Quando contava vinte e sete anos, falece-lhe o pai. Requer em juízo o inventário dos seus bens, cujo acervo foi absorvido pelas dívidas. Como caixeiro que é do estabelecimento, assume a sua direção e toma conta das irmãs. Era órfão de mãe desde os seis anos de idade.

Em petição do próprio punho requer no inventário e obtém a anuência dos credores para a dilação do pagamento das dívidas, dando-lhes garantia hipotecária.

A 7 de janeiro de 1857, às 20 horas, contrai casamento na matriz de Santo Antônio de Quixeramobim.

Neste mesmo ano liquida a casa comercial e passa a lecionar português, aritmética e geografia numa fazenda vizinha.

Tenta melhor sorte em Tamboril, depois em Campo Grande. Aqui é de novo caixeiro, mas, passado algum tempo, o dono fecha a casa de comércio e ele se vê outra vez desempregado.

Diz Euclides da Cunha que foi escrivão de paz e solicitador. Na verdade milita no foro em Campo Grande e Ipu como advogado provisionado.

Nesse importante município de Ipu, sua mulher foge com João da Mata, furriel da força pública da província.

Daí por diante, muda inteiramente a vida de Antônio Vicente Mendes Maciel.

Desde que liquidara a casa comercial, foi ascendendo a profissões mais elevadas, escrivão, solicitador, advogado.

Desfeito, porém, o lar de modo tão oprobioso, sua vida desdobra-se em duas fases. A primeira é a de instabilidade nos serviços a que se dedica e na contínua mudança de residência e de profissão, em numerosos municípios do centro e do sul da província. É até vendedor ambulante.

Tais circunstâncias tornam verossímil a suposição de que passou a procurar, por toda a parte, a mulher e seu sedutor para vingar-se exemplarmente, tal o ódio aos traidores da sua confiança e maculadores do seu lar.

Não há outra explicação para a sua vida andeja. Sua presença é notada em muitos pontos do Ceará. Tudo, porém, em vão. Não os encontrou nunca.

Diz Euclides da Cunha que se passaram dez anos sem notícias suas.

O certo é que ele precisa ganhar a vida de modo estável. É quando em certa localidade de Pernambuco se propõe erguer os muros e construir o cemitério.

Principia agora a segunda fase daquele doloroso transe. Igual atividade desempenha em outros povoados. Comprovada a sua competência, passa a construir cemitérios, capelas e igrejas, com grande êxito. Euclides diz que suas igrejas são "sempre elegantes". É o adjetivo elogioso que emprega mais de uma vez. Com relação à do Bom Jesus, diz "belíssima igreja que lá está".

Euclides acrescenta que ele também construía açudes.

Mister assim contínuo e em contato com o povo religioso, a pouco e pouco vai influindo seu ânimo, até fazê-lo voltar à fé primitiva, a de sua formação espiritual.

Ao reabraçar o cristianismo, é exigência o perdão aos que lhe haviam feito tanto mal. Perdoa-os e esquece para sempre o passado.

Lentamente se vai engrossando o número dos que o auxiliam na construção de cemitérios e igrejas. Acompanham-no de arraial a arraial e de povoação a povoação.

Imbui-se de tal forma da nova concepção de vida, que executa aquela engenharia com alto espírito religioso. Sua aparência exemplar é de penitente, notada por todos que o têm na maior consideração. Não alimenta feições humanas incompatíveis com a sua vida de peregrino, mas é estimado por quantos lêem a sinceridade em todos os seus atos.

Por tal forma a sua personalidade desperta a atenção geral que, confiantes, muitas pessoas lhe fazem confidências. Dele se aproximam para pedir-lhe conselho e as suas palavras lhes serve de lenitivo.

Passa a sofrer a desgraça alheia. Aos que guardam o ódio e a sede de vingança em seus corações, Antônio Maciel, que tudo perdoara e tudo esquecera, com a maior sinceridade lhes desperta o espírito cristão e junto com o desgraçado recita as orações populares do Pai Nosso e Ave Maria.

Acolhe com carinho principalmente as vítimas da politicagem infrene, do fisco voraz e das arbitrariedades policiais. Quantos, para tranquilidade de espírito, enxergando as virtudes daquele homem, lhe pedem para ficar em sua companhia, trabalhando naquelas obras pias, em que se ganhava a vida de modo honesto. Passam a acompanhá-lo espontaneamente.

Gente de todas as condições sociais acolhe-se ao grupo do conselheiro. Basta ser de vida honrada.

De novo é notada a presença de Antônio Vicente Mendes Maciel em muitos municípios, já agora acompanhado de numeroso grupo de auxiliares na construção de cemitérios e igrejas. Considerável o número de povoações em que não há sacerdote e de paróquias sem pároco. Ele dirige as orações que o povo costuma fazer às tardes. E suas prédicas são de grande fruto.

Aqui ou ali há oposição por parte de certos sacerdotes e políticos, principalmente dos padres políticos. Ao contrário da maioria, estes não compreendem o benefício material e espiritual que traz ao povo a ação desse asceta, o exemplo de virtude e operosidade.

Surgem daí os primeiros conflitos. E na sua raiz não reside apenas a incompreensão de ministério tão benéfico, mas também a inveja, o ciúme e a maldade.

(...)

Não faz milagres nem os seus entusiastas admiradores lhe atribuem a prática de qualquer milagre. Não usurpa funções sacerdotais, nem de médicos, nem de farmacêuticos. Não é curandeiro. Não lhe chamam Bom Jesus. Não se inculca enviado de Deus. Não é profeta. Apenas prega a doutrina dos evangelhos e a da tradição da igreja católica romana. É pregador leigo como muitos da história da igreja e como hoje é até recomendado pela igreja.

Colocando-se ao lado do povo pobre e necessitado, espoliado e oprimido, Antônio Conselheiro levanta contra si certas autoridades civis e religiosas. Na linguagem de Euclides da Cunha, "eclipsando autoridades locais, o penitente errante e humilde monopolizava o mando". 

[extraído do livro do prof. Ataliba Nogueira: Antônio Conselheiro e Canudos] 
  

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