"Das várzeas, da virada do Bom-Burití, avistavam uma corujeira, um arruado de casinhas leprando em ponta de serra. - "Apre, que deve de ser triste, lá..." - o Placidino dizendo. -"Eh, só é triste pelas pessôas. Não tendo ninguém num lugar, não faz alegria nem tristeza..." - Aristó desfalou." - A estória de Lélio e Lina - No Urubuquaquá, no Pinhém - Corpo de Baile - JGR
Hoje passei o dia com o Seu Dedega, morador natural de Monte Santo, cuja família tem raízes ancestrais nesta cidade. Conhecedor da história e da cultura do sertão, é artista plástico e escritor. Me apresentou a sua família, passeamos pela cidade, me mostrou o Museu do Sertão, que ele próprio criou, me contou várias histórias e estórias, me serviu licor de folha de Jirame, feito pela Dona Conceição, sua esposa. Levou-me para conhecer e conversar com o atual prefeito, Sr. Everaldo. Almocei junto com a família.
Quando cheguei na cidade ela já me despertou uma agradável simpatia. As pessoas por aqui só aumentaram essa simpatia. E o Seu Dedega, com tanta gentileza para com esse forasteiro desconhecido que agora escreve, só fez tornar o lugar mais lindo. Não tendo ninguém, Monte Santo não seria nem belo nem feio. Mas as pessoas daqui, e hoje o Seu Dedega, sua família, fazem da cidade um lugar (mais) bonito. Aqui fui, por todos, muito bem recebido.
E à tarde, um grande momento: a subida do caminho da Santa Cruz. Foram 2 Km subindo a Serra do Piquaraçá, pelo caminho de pedras com suas 25 capelas feito pelo Frei Apolônio de Todi. Lá em cima se chega a mais de 800 msnm., e a cidade fica a 470 msnm - então subi ao ponto mais elevado, onde fica a Capela da Santa Cruz, a quase 400 metros de desnível do começo do calvário. Nessa altura, a Serra domina para onde a vista alcança.
Lá em cima, uma visão de 360 graus do sertão. A cidade ao pé da serra, as estradas retas partindo em linha reta pelo sertão para Queimadas, Euclides da Cunha, Quijingue, Uauá (as duas últimas de terra). Mandacarus, flores, e um tamanduá de colete. E o pôr do sol, daqui de cima, maravilhoso.
Entrei na Igreja e lá fiquei em silêncio. Imagens de N. Sra. Soledade e de S. João Evangelista. Deitado, um Cristo, o Senhor do Sepulcro. Ao lado, a sala dos milagres, cheia de ex-votos. Acendi um maço de velas em intenção dos mortos. Pedi para que eu pudesse ficar sendo.
A energia desse lugar é indescritível. A capela e o caminho remontam a 1786. De lá para cá, quantas pessoas, sertanejas e não, subiram esse longo caminho pela serra com o coração em algo maior, com o pensamento no Altíssimo. Quantos ex-votos na capela, na sala dos milagres! Consta que o próprio Antônio Conselheiro reformou o caminho e algumas das capelas. Ladeando o caminho no início da subida, os muros feitos por supervisão do próprio - houve tempo, antes de se estabelecer em Canudos, no Arraial de Belo Monte, que ele próprio morou aqui em Monte Santo.
Fiquei lá em cima até anoitecer. As luzes dos povoados de acendendo em todas as direções.
Lá em cima se reza diferente. Se pensa diferente. Se sente diferente.
Lá em cima se reza diferente. Se pensa diferente. Se sente diferente.
Agradeço a todos os irmãos, todos os peregrinos, que levaram sua presença e sua energia, sua fé, sua busca por algo maior, até esse lugar, esse morro de quartzito, essa Serra do Piquaraçá, desde os tempos de antes do Frei Apolônio, e que assim fizeram desse caminho um lugar especial. E ao Altíssimo por ter permitido que eu vivesse e compartilhasse essa história, e que pudesse deixar aqui também a energia da minha presença.
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