terça-feira, 10 de julho de 2012
Do Coração Místico do Sertão Baiano
Pois bem, garupas, hoje chegamos a Monte Santo. Já olhou o mapa para ver onde fica?
De Jequié, 500 e poucos Km até essa linda cidadezinha do sertão baiano. Segui pela BR-116 até Feira de Santana (muito tráfego de caminhões por aqui - parecia que estava jogando um vídeo-game onde eu pilotava uma motoquinha de 200 cv e tinha que ficar ultrapassando infinitos caminhões...), depois mais BR-116 até Euclides da Cunha, e daí por uma estradinha vicinal por mais 38 Km até chegar aqui, aos pés da Serra de Piquaraçá, ou Pico do Araçá.
A BR-116, sem pedágio em Minas Gerais, a partir da divisa com a Bahia pedagiada até Feira de Santana. Mas em excelentes condições em toda a sua extensão.
Chegando, pelo alto da estrada, vê-se a cidade esparramada aos pés da serra. Muito bonita!
Aqui começou a minha história com esse sertão. Ao assistir Deus e o Diabo na terra do sol, do Glauber Rocha, ao ver as tomadas do alto da serra, com o Santo Sebastião pregando ao vento lá de cima, me perguntei onde é que existia esse lugar impressionante. O Glauber soube aproveitar magistralmente essa locação para as filmagens. E além disso, as referências ao sertão de Canudos no filme, me lembraram de uma antiga dívida, conforme veremos adiante.
Descobri que as filmagens tinham sido feitas em Monte Santo, e que o caminho visto no filme, pela serra, era o Caminho da Santa Cruz - caminho feito por iniciativa do Frei Apolônio de Todi no final do século XVIII.
Frente à seca da época, procurando uma localidade onde houvesse suprimento de água nessas paragens, entre o Itapicuru e o Vaza-Barris, região de rios temporários, onde estes, as cacimbas, aguadas e latadas nos períodos de seca não garantiam a disponibilidade de água para a sobrevivência dos homens e dos animais, o frei capuchinho chegou a este local que era referência desde os tempos remotos do desbravamento da região no século XVII a aventureiros que perseguiam pedras preciosas seguindo o roteiro fantasioso de Belchior Dias.
Pois então, no sopé do monte existia a única fonte de água perene dessa região em uma grande extensão de caatinga, por conta das precipitações que ocorrem pelo choque de massas de ar úmido provenientes do litoral com a serra, que se destaca no relevo por uma extensão de dezenas de léguas. Eis o fator atrativo primordial, digamos, à ocupação da região. Essa fonte até pouco tempo fornecia ainda água para a cidade de Monte Santo.
Diz a história que o frei, ao chegar ao pé do monte para abastecer-se de água, ficou impressionado com a semelhança da serra com o calvário e resolveu fazer um caminho pelo monte representando os passos da paixão, que a partir de então foi batizado de Monte Santo.
Hoje o caminho abriga 25 capelas: 21 passos e 4 capelas maiores. Conta a história ainda um milagre no momento em que o frei dirigia uma procissão no dia de todos os santos na qual deixava cruzes na trajetória do caminho: aplacou um tufão com suas orações. A imagem de Cristo crucificado carregada pelo frei durante o cortejo está hoje na Igreja Matriz da cidade. O milagre então atrai milhares de peregrinos, dando o frei andamento às obras do caminho: a substiruição das cruzes por passos (igrejas) de pedra e cal.
Até hoje no dia de todos os santos ocorre uma grande festividade em Monte Santo, atraindo peregrinos de todo o Brasil. Outro momento de peregrinação ao Calvário, como não poderia deixar de ser, é na Páscoa, em celebração à paixão, morte e ressurreição de Cristo.
Assim, seguiu-se ao fator primordial da ocupação - a fonte perene de água - o fator mágico e inexplicável, mas perceptível para quem aqui chega: que fez com que o frei edificasse tão formosa obra, e que emociona a quem percorre o calvário para lá de cima estar mais perto do céu, de Deus e de si mesmo, com o horizonte infinito de sertão para admirar por todos os lados, para onde quer que se olhe.
Pois aqui fez-se o Altar do Sertão, nesse caminho de pedras: creio não haver lugar que transmita tão bem como é a fé e a religiosidade do sertanejo. E à parte desse aspecto, um mistério, na forma de uma aura especial habita esse lugar.
E por ter falado em uma antiga dívida, ei-la: ler Os Sertões do Euclides da Cunha. Comecei e não consegui parar de ler - devorei o livro em 3 dias. Estava aceso o interesse pela história da Guerra no interior da Bahia, pelo mito do Conselheiro, e pelo povo sertanejo, denominado de Hércules Quasímodo pelo Euclides (O sertanejo é, antes de tudo, um forte.).
Para mim, a história, conforme disse, começou portanto aqui, em Monte Santo. Para o conselheiro, começou em Quixeramobim, no Ceará. Para o Euclides da Cunha, começou em São Paulo, da redação do jornal O Estado de São Paulo, de onde partiu como correspondente de guerra. Para os militares, começou no Brasil todo (poucos foram os estados que não enviaram tropas para o combate). Para o temível Coronel Moreira César, começou após a Revolução Federalista, em Santa Catarina, onde estava quando o renomado 7o Batalhão de Infantaria foi designado para dar cabo do arraial de Belo Monte. Para os sertanejos, começou em todos os cantos do sertão de onde todos vinham para ter com a comunidade fundada pelo Conselheiro. E para muitos milhares de seres terminou neste mesmo Sertão, lugar de vida-e-morte.
E agora estou eu no sertão de Os Sertões. Cheguei na cidade e já me senti um E.T. - chamando a atenção neste lugar simples com a minha moto e as minhas vestimentas de motociclista. Isso não me deixa bem, não queria chamar a atenção.
E agora eu me pergunto: o que será de mim, desse extra-terrestre nessas paragens? O que o sertão fará comigo? Será ele bom ou maligno para mim?
"O sertão não é malino nem caridoso, mano oh mano! - ele tira ou dá, agrada ou amarga, ao senhor, conforme o senhor mesmo." - velho do Tebá ao chefe cangaceiro Riobaldo - Grande sertão: veredas - JGR
Conforme eu mesmo? E agora? Então, estarei preparado? O que estará por vir em minha peregrinação?
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