– “Ah, que não, Chefe. Vaqueiro me disse: de lá para lá,
iam indo... Fugindo do perigo para o perigoso... E, no Paredão,
mesmo dito, já não tem mais pessoas de sede. As famílias todas,
e os moradores, camparam no pé, desgarrados, assim que o
medo chegou lá... O medo é demais de grande...”
Jagunço Trigoso - Grande Sertão: veredas - JGR
"O senhor supute: lado a lado, somando, derramavam de ser
os trezentos e tantos – reinando ao estral de ser jagunços... Teria
restado mais algum trabuco simples, nos Gerais? Não tinha. E ali
era para se confirmar coragem contra coragem, à rasga de se
destruir a toda munição."
Jagunço Riobaldo - GSV - JGR
E
caímos na estrada outra vez… Eu e meu irmão, distarídos com nossos joguinhos no
ipad e no celular da mamãe, nem víamos o tempo passar. Gostamos da estrada, ela
é cheia de caminhões, carros coloridos, pontes… Mamãe olha! - Um trator! E
vamos… árvores e árvores verdinhas na beira, pássaros giram no alto. Urubús?
Nosso
destino é Paredão de Minas. O que é isso? Uma cidadezinha, uma cidadela, uma
vila na beira de um rio. Minha mãe parece reticente, parece que duvida que esse
lugar sequer exista, ou se conseguiremos atingí-lo… O que será que tem lá? Um
rio… Chama-se Rio do Sono.
Mas
no caminho paramos para conhecer o “Rio Francisco” – enorme e cheio de peixes.
Minha mãe disse que cruza o Brasil inteiro! – mas não acreditei, afinal, isso
aqui não é Brasil, é tão diferente da minha casa…
De
repente, saímos da estrada! Descemos uma ribanceira e chegamos a um restaurante
na beira do “Rio Francisco”. Comemos um peixe, um tal de surubin. Gostoso… O
nome desse restaurante é Rei do Peixe, fica na cidade de Três Marias, onde o
rio é represado para gerar energia. Aprendi tanta coisa nessa viagem!...
Depois
seguimos pro tal paredão… E entramos em uma estrada de terra. Vão ser 63km… Ai meu Deus, minha mãe
disse que faremos um rali. Que o Papai do Céu nos proteja! Rali dos Sertões!
Que legal!
E
foi muito legal! A estrada de terra era razoável. Nenhum acidente aconteceu, mas
uma peça do nosso carro caiu e ficou fazendo um barulhão nas pedrinhas do
caminho. Chegamos por fim em um lugarejo, poucas casas, poucas ruas de terra,
uma de paralelepípedo. E foi nessa que procuramos por Seu Sidraque, e
encontramos um senhor que ficou nos chamando de “meus netos”…. Ele
era muito atencioso, cuidou de nós como se fossemos mesmo de sua família, e nos
levou a uma hospedagem, da Dona Rosira, hospedagem dentro de um supermercado.
Achamos o máximo! Era bem pequeno, mas estava cheio de pirulitos e balas! Ah… e
tinha também uns morceguinhos voando, dona Rosira disse que não precisava
temer, mas eu fugi correndo deles…
No
fim da tarde saímos para conhecer o Rio do Sono. Passamos por uma igrejinha, e
fiquei sabendo que na frente dela aconteceu uma batalha! A última batalha do
livro Grande Sertão: Veredas, daquele escritor que nasceu naquela cidade que
passamos antes, Cordisburgo. Ah… o nome dele? João Guimarães Rosa. Ele conta
que nesta batalha lutaram o Riobaldo, que era do bem, contra o Hermógenes, que
era do mal.
Dalí
seguimos para o Rio do Sono, na companhia do Seu Sidraque. Já era fim do dia,
mas a água estava bem quentinha. Entramos só com os pés, o chão escorregava…
Mas brincamos na areia. Me sujei todo de areia, lama no rosto. Que delicia! Mas
tivemos que ir embora pois estava escurecendo e as mutucas atacando nossas
perninhas, mesmo com o repelente que a mamãe passou.
Seu
Sidraque queria nos apresentar para a cidade inteira. Fomos na casa dos irmãos
dele e fizemos um castelinho de areia e galhos de árvores. Logo depois acabou a
luz. E já estava de noite. Ainda bem que tínhamos uma lanterna para voltarmos
para nossa pousada.
Já
no mercadinho da dona Rosira, enquanto a mamãe conversava com ela, achei uma
aranha grandona, preta e cabeluda. Chamei a mamãe para ver, e ela ficou pálida.
-
O
que foi mamãe?
-
Nada
filhinho, sai daí, vamos para o quarto…
Mamãe
fechou a porta e as janelas do quarto, ficou meio quente… A luz acabou de novo
e o ventilador parou. Ela estava nervosa, com medo do escuro, de aranhas e
morcegos, mas nós estavamos pulando na cama e brincando com as lanternas, a
gente nem queria tomar banho! Só que não teve jeito de dormir sujo de lama,
fomos pra debaixo do chuveiro. E ufa! A luz voltou. Assim pudemos dormir limpinhos e com o ventilador
funcionando, todos na mesma cama, amontoados em um ninho. Foi bom, não gosto
mesmo de dormir sozinho…
O
outro dia foi o dia do rio. Pudemos entrar na água de verdade. Foi uma delicia.
O rio é manso e rasinho, como eu gosto. Andamos até uma ilha de areia, fizemos
buracos e piscinas e meu irmaozinho se enterrou na areia. Foi uma manhã muito divertida.
O calor aqui é forte. Mamãe não pára de passar
repelente e protetor solar na gente…
Almoçamos no refeitório de uma empresa. A
comida era feita pelo senhor José Geraldo. Ele conversava muito, e a comida era
gostosa. A sobremesa foi o pirulito que busquei no mercadinho onde estamos
morando.
De tarde, ficamos brincando por alí na rua,
mamae não deixou a gente voltar para o sol. Na casinha do filho do Seu Sidraque
demos bolacha para uma arara de verdade! E quantas histórias e histórias Seu
Sidraque nos contou!
Gostamos da gente daquele lugar, todos queriam
nos conhecer e contar histórias. De noite refresca, e como hoje não acabou a
luz, a mamae ficou mais calma e dormimos bem.
Afinal chegou ao fim nossa aventura em Paredão
de Minas. Quer dizer, quase ao fim, pois ainda falta voltar aqueles 63km de
terra, pelo rali! Nos despedimos da gente da terra, agradecemos a
hospitalidade, tiramos fotos e seguimos em frente nossa viagem. Até algum
dia, Paredão. Até!!